Supõe-se que o Homo sapiens teria chegado ao continente das Américas entre 20 mil e 15 mil anos atrás (mas como já citado há evidências que sugerem a possibilidade de terem chegado há ainda mais tempo do que isto). Quase todos os indícios apontam fortemente a um avanço que começou no extremo noroeste do continente, cruzando da atual Sibéria para o atual Alasca, com uma expansão subsequente, ao longo de milênios, rumo à América do Sul. Naquela época, o nível dos oceanos era bem mais baixo e havia uma conexão por terra firme ligando Ásia e América do Norte.
Mas a história de ocupação dos ancestrais humanos das Américas ainda conserva alguns mistérios. No começo dos Anos 1.990, estudos de um esqueleto no Brasil (batizado de Luzia) encontrado na região de Lagoa Santa, no estado de Minas Gerais, e que havia décadas estava esquecido num museu, foi datado de aproximadamente 12 mil anos atrás e provou que a migração de ocupação das Américas era muito mais complexa do que se imaginava até então. O crânio de tal esqueleto - o mais antigo até então encontrado no continente - tinha detalhes de anatomia similares aos de africanos e aborígenes da Austrália, e bem distinto da anatomia dos crânios siberianos ou de qualquer uma das populações de nativos indígenas encontradas no continente na chegada dos europeus. E não foi o único encontrado com tais características, dezenas de esqueletos encontrados nos arredores desta região - datados entre 11.500 a.C. a 8.000 a.C. - tinham a mesma característica anatômica, indicando que diferentes povos, de diferentes origens, e em migrações sequenciais ao longo de milênios, teriam ocupado e se espalhado pelas Américas. Outra evidência, esta genética, tão misteriosa quanto, é a presença de tribos indígenas no Brasil cujo material genético estudado indicou um alto grau de parentesco com povos polinésios da Oceania, sem similaridade genética alguma com povos da Ásia ou da América do Norte.
Mas ainda que perdurem muitos mistérios, independentemente desta profunda diversidade ainda não totalmente explicada sobre estes primeiros habitantes do continente, há um fator mais claro dentre todos a ter sido determinante neste reencontro humano no momento da chegada dos europeus ao continente, o fato de que nas Américas não havia ferramentas de metal, cavalos, burros, camelos ou bois, assim como não havia escrita. Todo o transporte era feito a pé, em canoa ou em trenó, e a capacidade de estoque de conhecimento era limitada.
O continente teve densidades populacionais expressivas em seu passado remoto, sobretudo na parte de novas terras que vieram a ser encontradas e exploradas pela Espanha, onde capitais pré-colombianas como Teotihuacan ou Tenochtitlan tiveram uma escala que superava em muito ao tamanho das primeiras cidades na China e na Mesopotâmia, e faziam com que as antigas cidades da Grécia, como Tirinto e Micenas, ficassem parecendo pouco mais do que povoados fortificados. Entretanto, as condições geográficas e naturais das terras em que estas densas populações viviam não lhes facilitou o desenvolvimento de inovações que pudessem ter representado uma barreira para o domínio cultural europeu que se seguiu.
Também nas terras às quais chegaram os portugueses e que vieram a ser o Brasil o histórico de ocupação era antigo e com áreas de grande densidade populacional, como na região da bacia da Floresta Amazônica, onde foram encontrados fortes indícios de que uma parte considerável da floresta teve influência antropogênica em seu passado, isto é, alterações provocadas na estrutura natural causadas pela presença humana. A marca mais destacada encontrada pelos arqueólogos é a "terra preta", um solo altamente nutritivo, formado por uma mistura de restos de carvão, fragmentos de cerâmica e excrementos humanos, em extratos de até dois metros de profundidade e que são datados de alguns milhares de anos atrás.
Já no litoral, as marcas mais antigas encontradas foram os sambaquis - montes de conchas que podiam chegar a 50 metros de altura em alguns casos - datados de mais de 8 mil anos, construídos por um povo que caçava peixes, tubarões, baleias e golfinhos (cujos ossos foram encontrados nestes montes) o que é um forte indício de que detinham uma grande habilidade e bons conhecimentos de navegação em mar aberto. Sua cultura acabou desaparecendo por volta do Século I, quando passam a ser encontrados indícios arqueológicos da presença de agricultores do ramo tupi-guarani nas regiões antes ocupadas por aqueles construtores de sambaquis.
Culturalmente, entre estes povos ancestrais originais, especialmente na região da Amazônia, era muito comum o xamanismo, a crença de que certas pessoas conseguiriam transitar misticamente entre as esferas dos espíritos dos mortos, dos animais e dos seres humanos. Um elemento muito comum nestas mitologias nativas era a crença de que no início dos tempos, quando tudo teria sido criado, praticamente não havia diferença entre os seres humanos e os outros animais, que pensariam e se comportariam mais ou menos da mesma maneira. É um retrato precoce de autoconsciência da natureza animalesca compartilhada pela humanidade com todas as demais espécies animais do planeta.
Entre os idiomas, a língua mais falada na América pré-colombiana era a aruak, um grupo de cerca de sessenta diferentes idiomas aparentados, originário da região da Floresta Amazônica e disperso desde a região do Mar do Caribe, na América Central, até o Chaco, onde hoje é o Paraguai. A segunda maior família linguística era a tupi, que reunia um pouco mais de quarenta diferentes idiomas dispersos desde o norte do que é o Brasil até terras onde hoje está a Argentina. Em terceiro o grupo de idiomas carib, que são cerca de trinta, concentrados ao norte da Amazônia e na América Central. Depois havia o grupo de idiomas macro-jê, que somavam entre vinte e trinta línguas diferentes, sendo o único destes quatro grandes grupos que não era originário de dentro da região da Floresta Amazônica.
Os grupos aruak tinham um comportamento hidrocêntrico; ou seja, tinham no centro de sua cultura o fator de deslocamento pelas águas dos grandes rios, sendo exímios navegadores, que tiveram a capacidade de chegar às ilhas da América Central, tendo sido os primeiros habitantes de Cuba, Hispaniola, Jamaica e Porto Rico, e que, por isto, foram os primeiros que vieram a ter contato com os navegantes europeus da esquadra de Cristóvão Colombo em 1.492. Por onde os aruak estiveram, a tendência foi de formação de alianças relativamente pacíficas com grupos de diferenças étnicas e linguísticas, não havendo uma ideologia de conquista ou de virtudes intrínsecas da guerra. Seus líderes, chamados amulawnaw, eram exaltados pela generosidade e pela capacidade de se comunicar, sendo contraponto aos chamados ipuñoñori-malu (a "gente ruim"), os sujeitos que não tinham habilidade para falar e eram considerados agressivos e antissociais.
Já sobre o tronco linguístico tupi, a maioria das pesquisas científicas concorda em estimar uma idade para ele de aproximadamente 5 mil anos. A sua língua é classificada em 10 ramos diferentes, a metade dos quais sendo encontrados somente na região do Brasil onde está demarcado o estado de Rondônia, próximo à fronteira com a Bolívia, onde acredita-se que é a origem de expansão deste povo. Outros quatro dos dez ramos estão mais espalhados, mas todos restritos à área da Floresta Amazônica. Apenas um ramo deste grupo linguístico, o tupi-gurani, espalhou-se por todo o continente. Este ramo reúne idiomas muito parecidos, que compartilham cerca de 70% dos cognatos de seu vocabulário básico, tendo aparentemente se expandido num movimento de pinça: as evidências sugerem que em algum momento um grupo tupi migrou pelo rio Madeira, desceu o rio Amazonas até sua foz, e a partir de então se expandiu pelo litoral do que hoje é o Brasil, enquanto um outro grupo desceu pelo rio Paraguai em direção ao Pantanal, daí dispersando-se pelo Paraguai e em direção ao sul e ao sudeste do que hoje é o Brasil, este vindo a ser aqueles que foram classificados como guaranis.
Após contornar boa parte da América do Sul por caminhos opostos, estas duas vertentes deste povo se encontraram onde hoje é o litoral sul do estado de São Paulo, numa região conhecida como Cananeia, onde por volta de 1.500 havia uma fronteira entre as terras dos tupiniquins (do ramo tupi) e dos carijós (do ramo guarani), que apesar de ainda conservarem idiomas similares, viviam em guerra uns contra os outros.
Diferentemente aos aruak, a guerra sempre foi uma constante na cultura tupi-guarani. Há uma associação relativamente clara entre as etnias expansionistas e uma "cosmologia predatória" dos tupi. Grupos como os tupinambá, os chiriguano, os juruna e os munduruku eram conhecidos pela ferocidade em batalha e pelo hábito de capturar escravos na guerra, sendo em alguns casos, como os juruna, os munduruku e os mawé, muito comum o uso das cabeças decepadas dos inimigos como troféu de batalha. Suas armas de guerras mais temidas, as ybyrapema, ou "espada tupinambá", como era chamada pelos portugueses, serviam para esquartejar os inimigos de guerra, cuja carne era consumida (cozida) pelos vencedores (inclusive os bebês, com as mães besuntando seus mamilos com o sangue do inimigo para que seus filhos também pudessem desfrutar). Era um ritual que acreditavam servir para absorver a força dos inimigos, por isso sendo fundamental que a participação fosse coletiva. Os povos tupi consideravam aquela forma a mais honrada das mortes, reservada apenas a inimigos que consideravam dignos de recebê-la (jamais dada a mulheres ou crianças). O consumo antropofágico era o ápice de uma cerimônia que objetivava essencialmente a vingança. Aos olhos europeus, tais "costumes bárbaros" se revelavam o mais espantoso dentre todos os encontrados nas novas terras. Era a mesma percepção que os espanhóis tiveram sobre os rituais de sacrifício e extração do coração das vítimas praticado pelo povo azteca no México.
Diferenças e segregações também se faziam presentes entre os povos originários das Américas. Segundo os relatos dos primeiros colonizadores, os botocudos (do grupo macro-jê) eram descritos como vivendo "como animais": sem aldeias permanentes, lavouras, ou uso do fogo, sendo comedores de carne crua, com um estilo de vida altamente móvel, como caçadores-coletores. Os povos tupis se referiam às populações macro-jê como "tapuias", cujo significado seria de certa forma equivalente a "bárbaros", pois eram vistos como "menos desenvolvidos". A etimologia da palavra "tapuia" no idioma tupi não tem um significado referente a uma etnia, refere-se a "aqueles que vivem no meio do mato", sendo assim equivalente àqueles que não viviam organizados em aldeia.
Inicialmente, a ocupação dos portugueses após a sua chegada ao território que hoje é o Brasil se restringiu no primeiro século apenas ao litoral. Assim, praticamente todo o contato que tiveram nos primeiros cem anos de sua presença foi com diferentes povos do ramo tupi e com alguns macro-jê. No interior continental, havia uma maior densidade populacional na região do Alto Xingu, a nordeste do que hoje é o estado federativo brasileiro de Mato Grosso, ao sul da Floresta Amazônica. Nesta região conviviam uma dezena de etnias diferentes, falando idiomas totalmente distintos de três dos grandes troncos linguísticos - gente de fala aruak, como os yawalapiti e os waurá, de fala carib, como os kalapalo e os kuikuro, e de fala tupi, como os kamayurá e os aweti - além dos trumai, que eram de um grupo de língua dita isolada, sem parentesco próximo a nenhum outro idioma conhecido. Todos vivendo em uma cultura compartilhada, relativamente homogênea, com cerimônias em comum, trocas ritualizadas e casamentos frequentes entre grupos diferentes.
O primeiro relato de um europeu sobre esta região apareceu somente em 1.723, de Antônio Pires de Campos, que revelou ter encontrado gente em tanta quantidade que em um dia de marcha era possível cruzar de dez a doze aldeias, todas vivendo de suas lavouras de mandioca, milho, feijão e batatas, e que faziam seus próprios "vinhos", em aldeias interligadas por estradas muito diretas e largas, e conservadas tão limpas que nelas não se achava folha. Calcula-se que 50 mil pessoas viviam no Alto Xingu no Século XVI, o que era a mesma população que vivia na capital portuguesa, Lisboa, naquela época.
Foi em meio a todo este contexto que as famosas cartas de Américo Vespúcio fizeram menção a 4 viagens dele ao "Novo Mundo": uma primeira em 1.497 (nunca comprovada), e outras três amplamente catalogadas. Em todas Vespúcio foi um dos capitães nas respectivas frotas: em 1.499 comandada por Alonso de Ojeda, a serviço da coroa de Castela e Aragão, quando esteve na América Central e onde hoje é a Venezuela, e duas em 1.501 e 1.503 com Gonçalo Coelho, já a serviço da coroa de Portugal, ao longo do litoral do Brasil.
Na viagem entre 1.501 e 1.502 na frota de Gonçalo Coelho, Vespúcio além de ter vindo a ser a responsável por dar o nome de América ao continente, também batizou pontos importantes da costa brasileira, dando os nomes ao rio São Francisco, ao Rio de Janeiro, e a Angra dos Reis.
Nestas viagens, eles também descobriram que nem todos os nativos eram dóceis como os encontrados pela frota de Cabral. Em seu primeiro aporte, na região onde hoje está o Rio Grande do Norte, os índios potiguar mataram e devoraram antropofagicamente a três marinheiros da frota. Mais ao sul voltaram a fazer contato quando encontraram índios tupiniquim, em expedição que foi até o limite demarcado pelo Tratado de Tordesilhas, em Cananeia, onde deixou a um degredado para viver entre os nativos, um homem supostamente chamado Cosme Fernandes Pessoa, que viria a ficar conhecido como "Bacharel de Cananeia".
Na sua última viagem, foi Vespúcio quem fundou o primeiro assentamento português na América da Sul, onde hoje é a cidade de Cabo Frio, a 150 quilômetros a nordeste do Rio de Janeiro. Lá ele deixou 24 homens vivendo, e que acabaram mortos por indígenas nativos, um destino supostamente muito similar ao que teria, oito décadas depois, o primeiro assentamento inglês no território onde hoje são os Estados Unidos quando - em 1.585, em Roanoke, onde hoje é a Carolina do Norte - 89 homens, 17 mulheres e 11 crianças desapareceram na primeira tentativa de formação de uma colônia local.
As duas expedições de Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio passaram meses no litoral do Brasil e informaram ao rei que ali não havia metais ou especiarias. A única descoberta com valor comercial era um pau-de-tinta, de nome pau-brasil, que servia para tingir tecidos. Para realizar esta única atividade econômica identificada, o rei português cedeu o monopólio de exploração pelos anos seguintes a um consórcio formado por Fernando de Noronha (cujo nome na verdade era Fernão de Loronha) e pelo abastado italiano Bartolomeu Marchioni. Um mercado que eles tiveram que disputar com piratas franceses financiados pelo banqueiro Jean Angot, que chegaram pela primeira vez às novas terras descobertas pelos portugueses já em 1.504.
Na expedição de 1.503 houve um desentendimento entre Coelho e Vespúcio, o qual levou este último a ser expulso de Portugal. Ele, o homem que deu nome ao novo continente, voltou então a buscar emprego junto aos espanhóis, tendo passado a ser a partir de então o capitão-mor das esquadras da Espanha.
A ocupação europeia do novo continente se dividiu em três frentes. Na América do Norte os espanhóis quase que imediatamente encontraram ouro e prata no densamente povoado Império Asteca. Na América Central, eles não tardaram a descobrir que havia um outro oceano do outro lado das terras às quais tinham chegado, além de logo também terem tomado conhecimento de que havia uma outra área densamente povoada mais ao sul, onde também havia abundância de ouro, o Império Inca, ao qual logo trataram de alcançar. Enquanto isso, sem a mesma sorte de logo se deparar com ouro, os portugueses desceram o litoral da América do Sul tentando encontrar os mesmos minerais achados em grandes quantidades pelos espanhóis.
Nesta busca, em 1.514 duas caravelas comandadas pelos portugueses Estevão Fróis e João de Lisboa chegaram à foz do Rio da Prata, que num primeiro momento acreditaram ser o estreito final do novo continente, o qual se contornado supostamente levaria às "Ilhas das Especiarias", na Ásia. Ao fazer contato com os nativos locais nesta foz, imediatamente repararam que não falavam as mesmas línguas faladas no litoral brasileiro. Aquele era o povo charrua, o qual também chamou atenção deles por não andar desnudos como os demais nativos com quem tinham tido contato mais ao norte. Eles andavam com o corpo coberto, afinal precisavam enfrentar temperaturas bem mais frias, por isso usavam peles de guanaco como vestimenta.
Com estes povos eles encontraram um martelo de prata (por isso o rio ganhou tal nome) que lhes foi contado que viria de altas e distantes montanhas onde a neve nunca desaparecia, de um povo rico em ouro, que teria tanto ouro que o usava em suas armaduras. Lá também haveria prata, cobre e estanho. Estas notícias vieram a iniciar uma obsessiva corrida de expedições que duraria pelos 20 anos seguintes na busca por encontrar àquele reino fabulosamente rico, que se tratava do Império Inca, na Cordilheira dos Andes, onde hoje é o Peru.
Quando os serviços de espionagem identificaram onde estava a nova foz alcançada, imediatamente descobriram que estavam em terras demarcadas pelo Tratado de Tordesilhas como sendo possessões da Espanha, a qual enviou para lá uma expedição comandada por Juan Díaz de Solís, que lá aportou em 1.516. Tal frota subiu o "mar doce" até onde desaguava o rio Uruguai, onde ao tentar desembarcar muitos acabaram mortos por um ataque de flechas dos guerreiros locais. Entre os mortos estava o capitão Solís.
Os sobreviventes tentaram regressar, mas acabaram naufragando nas imediações da ilha de Florianópolis, onde o grupo acabou vivendo por mais de quinze anos dentro de uma tribo carijó. Tais indígenas confirmaram a eles as histórias sobre um poderoso império de ouro e prata das distantes montanhas com neve eterna, e lhes indicaram que havia uma rota por terra partindo da região onde hoje é o estado brasileiro de Santa Catarina - o Caminho do Peabiru - pela qual se alcançava o rio Paraná e de lá se chegava às terras do tão poderoso império.
Desde 1.513 os espanhóis já sabiam que havia um outro oceano do lado oposto às novas terras, tendo o alcançado por terra pela América Central. Dispostos a contornar o continente e alcançar a estas outras águas, onde já tinham deduzido que ficaria um caminho às "Ilhas das Especiarias", em 1.519 foi enviada uma expedição sob bandeira espanhola, ainda que comandada inteiramente por navegantes portugueses dissidentes, para tentar lá chegar. O capitão desta frota foi o português Fernão de Magalhães (para os espanhóis: Hernando de Magallanes). Aquela frota viria a ser a primeira na história a circundar inteiramente o Planeta Terra, provando empírica e cientificamente a sua circunferência.
Assim como Colombo, Magalhães foi parar em Castela porque após ser recebido em audiência, o rei português lhe havia negado o financiamento à sua viagem exploratória para alcançar à Ásia pelo lado ocidental. Sua frota zarpou de Sevilha em 20 de setembro de 1.519 com 5 naus. Parou primeiro nas Ilhas Canárias e de lá seguiu para o Rio de Janeiro, onde havia vivido por quatro anos um dos membros da tripulação - João Lopes de Carvalho, o Carvalhinho - ali degredado em 1.511 e resgatado em 1.515 pelo navegador espanhol Francisco Torres, que o levou a Sevilha.
Em janeiro de 1.520 a expedição fez a sua terceira parada, na foz do rio da Prata, onde após um mês de explorações, concluiu não se tratar do estreito que levaria a um outro oceano. Seguiu então viagem e em 27 de novembro conseguiu se livrar do labirinto de ilhas e montanhas geladas e concluir o cruzamento daquele que ficou sendo chamado como "Estreito de Magalhães", adentrando ao Oceano Pacífico.
Só que suas dificuldades ainda estavam muito longe de terminarem. Foi uma desgastante viagem que parecia não ter fim pelas águas do Pacífico. A expedição teve que lidar com algumas tentativas de motim de uma tripulação física e mentalmente exaurida. Somente em 13 de março de 1.521 a frota chegou às Filipinas. Lá, fez uma aliança com o rajá Zula, o que os envolveu em um conflito militar com o rajá da ilha vizinha, no qual Fernão de Magalhães acabou morto, assim como diversos de seus homens. A partir de então só a nau Victoria, comandada por Juan Sebastián Elcano, seguiu viagem até aportar, enfim, nas Ilhas Molucas (hoje parte da Indonésia) em novembro de 1.521, por fim alcançando à terra das especiarias.
Dali em diante as rotas eram melhor conhecidas, e em 8 de setembro de 1.522, prestes a completar 3 anos desde que tinha dali zarpado, Elcano aportou novamente em Sevilha, concluindo assim, com apenas 18 sobreviventes da tripulação original de 265 homens, a primeira viagem de circum-navegação do planeta a ter sido feita na história.
Os limites de ousadia e coragem aventureira dos navegantes naqueles tempos os embrenharam em peripécias que pareciam impensáveis e até impossíveis. Em 1.524, dois náufragos da expedição de Solís, ambos portugueses - Aleixo Garcia e Francisco Pacheco - arregimentaram cerca de dois mil índios flecheiros carijó para uma jornada em busca da Serra da Prata através do Caminho do Peabiru. Eles partiram da foz do rio Itapocu e foram margeando os rios Iguaçu, Paraná e Paraguai até a confluência deste último com o rio Pilcomayo, no local onde viria a ser fundada, muito tempo depois, a cidade de Assunção. Percorreram durante quatro meses uma distância de aproximadamente mil quilômetros até encontrarem os chacos paraguaios, uma extensa região inundada que impedia que as trilhas tupi-guarani se encontrassem às trilhas inca.
A partir de então subiram por via fluvial pelas águas do Pilcomayo até as proximidades de sua nascente, já cerca à Cordilheira dos Andes, onde atacaram vilarejos em Chuquisaca, próximo a Sucre, na atual Bolívia, tendo saqueado artefatos como taças de prata, peitorais de ouro e diversos objetos feitos de estanho. Estavam, e não sabiam, a uns 150 quilômetros da "montanha de prata" em Potosi. Entretanto, satisfeitos com os saques, regressaram. Quando estavam chegando de volta ao rio Paraguai, acabaram atacados por índios payaguá, tendo muitos morrido. Os poucos sobreviventes, entre os quais Francisco Pacheco, conseguiram regressar ao Porto dos Patos, em Santa Catarina, com apenas alguns poucos dos objetos saqueados. Foi o suficiente para que os relatos daquela aventura chegassem a Portugal e Espanha através dos navegantes das expedições que ali paravam, o que acelerou a corrida ao ouro e à prata por aquela rota. Uma nova tentativa por terra pelo Peabiru, desta vez partindo de Cananeia, foi liderada em 1.531 por Pero Lobo e Francisco de Chaves, junto a uma tropa de oitenta índios. Todos acabaram dizimados no meio do caminho, sem que nunca se tenha tido notícias de onde nem por quem o foram, simplesmente desapareceram.
Oficialmente para as cortes de Portugal e Espanha, a "Corrida à Serra da Prata" através das terras que hoje são parte do Brasil foi iniciada em 1.530 pela expedição portuguesa de Martim Afonso de Sousa. Uma empreitada na qual todos os navegantes, tanto portugueses quanto espanhóis, dependiam de estadias estratégicas no litoral do Brasil e um apoio logístico fundamental para viabilizar tais expedições. Neste suporte, três nomes se destacavam como seus provedores. Na baía onde veio a ser fundada a cidade de Salvador vivia desde 1.509 o náufrago Diogo Álvares Correia, o Caramuru, casado com Paraguaçu, filha de Itaparica, chefe dos índios tupinambá. Mais ao sul, em São Vicente, vivia desde 1.508 o degredado João Ramalho, ali abandonado à própria sorte pelos portugueses, tendo se casado com Bartira, filha de Tibiriçá, chefe dos índios guaianá, quem era uma de suas várias esposas, tendo tido ele incontáveis filhos e netos. Ali ele liderava uma tropa de cerca de cinco mil índios tupiniquim, comandando uma rede de escravização (sobretudo de índios carijó). Ramalho foi nomeado oficialmente por Martim Afonso como capitão-mor da vila de Santo André, no planalto paulista. E, por fim, perto dali, mais ao sul, vivia o já citado Bacharel de Cananeia, por lá abandonado (supõe-se que pela primeira expedição de Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio, mas podendo ter desertado ou da esquadra de Cabral ou mesmo de alguma expedição secreta anterior). Ele vivia com seis esposas, tinha duzentos escravos carijó, diversos genros que eram náufragos ou desterrados europeus (tanto portugueses como espanhóis) e liderava uma tropa de cerca de mil índios embiá (do tronco guarani), com a qual comandava uma intensa rede de escravização intertribal por ele ali implementada.
Ainda que intensa, a corrida para alcançar a serra da prata pelo sul, no entanto, seria curta, pois já em 1.532 o espanhol Francisco Pizarro a alcançaria pelo norte, descendo a partir da América Central (notícia que só viria a chegar à Europa em 1.534). Definitivamente então ficou claro para a monarquia espanhola a importância estratégica logística da bacia do rio da Prata, tanto que a primeira tentativa de fundação de Buenos Aires - que séculos depois se tornaria a capital da Argentina, na foz do rio da Prata - deu-se com a fundação de uma vila em 1.535 pelo nobre Pedro de Mendoza, comandante de uma rica expedição financiada por banqueiros alemães, a qual acabou destruída em ataque de uma coligação de índios querandi, charrua e chaná, a qual deixou cerca de dois mil e quinhentos espanhóis mortos.
Não foram só os espanhóis que tiveram dificuldades em formar vilas e ocupar as terras às quais chegaram, o infortúnio português foi similar. Justamente a partir de 1.534 o rei de Portugal iniciou o fracionamento do território brasileiro em capitanias entregues a 12 donatários: sete militares com honraria de bravura por lutas na África e/ou na Índia, mais quatro que eram parte da tesouraria ou fiscais de controle administrativo da monarquia, e uma como prêmio a um navegante, Pero de Góis, um dos capitães da frota dos irmãos Martim Afonso e Pero Lopes de Sousa, ambos também donatários e heróis nacionais em batalhas anteriores.
Destes 12 donatários, 4 sequer colocariam seus pés nas terras recebidas, tendo só 8 aventureiros o feito. E só duas capitanias viriam a conseguir de fato serem estabelecidas: em Pernambuco, onde vingou a lavoura de cana de açúcar, e em São Vicente, graças mais à trupe de náufragos e degredados que ali viviam liderados por João Ramalho do que pelas deliberações do rei Dom João III. Mas tais donatarias nunca conseguiram se transformar em núcleos efetivos de colonos no sentido literal da palavra, sendo na verdade ocupadas por conquistadores dispostos a saquear as riquezas, principalmente minerais, da terra.
Nesta divisão da "Costa do Brasil", os principais beneficiados foram os irmãos que comandaram a expedição de 1.530: Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa que, juntos, receberam os territórios que iam de Macaé até Laguna, numa estratégica invasão das terras castelhanas delimitadas pelo Tratado de Tordesilhas cujo objetivo era controlar as trilhas indígenas do Caminho do Peabiru que levavam à Serra da Prata. Pero Lopes ainda recebeu terras no nordeste, entre a baía da Traição (cerca de 75 quilômetros no norte de João Pessoa) e a ilha de Itamaracá, como recompensa por dali ter expulsado e prendido traficantes franceses de pau-brasil. Ambos, no entanto, não se dedicaram a colonizar tais terras: Martim Afonso comandou a vitória sobre o Egito e se tornou vice-rei na Índia, e Pero Lopes comandou vitórias contra a Turquia na Argélia e no Marrocos, e depois se juntou a seu irmão na Índia.
A capitania entre os rios Macaé e Itapemirim foi dada a Pero de Góis, o único não ligado à nobreza portuguesa. Era a menor, com litoral menos propício a portos naturais, além do donatário ser o com menor capacidade de financiamento. Ali ele fundou uma vila mais para o interior, onde hoje é a cidade de Campos dos Goytacazes, onde ele tentou estabelecer uma lavoura de cana de açúcar. A vila acabou destruída pelos índios goitacá, um dos poucos povos que não eram tupi a ocupar aquele litoral (tinham ascendência macro-jê). Segundo relatos contemporâneos pela ótica cultural europeia: eram índios altos, robustos e de pele mais clara que os demais, exímios corredores e, sobretudo, nadadores, capazes de caçar tubarões através de lutas corporais. Usavam flechas longas e peçonhentas em seus ataques, sendo considerados o mais bárbaro, cruel e indomável dentre os povos do novo mundo, pois não conseguiam viver em paz, estando sempre em guerra, tanto entre si quanto contra outros povos. Ainda tinham o hábito de trucidarem os adversários abatidos e ingerir sua carne ainda crua como mantimento (não por ritual de vingança ou empoderamento).
Um destino final muito parecido teve a capitania logo ao norte desta, a do Espírito Santo, aonde o herói de guerra Vasco Fernandes Coutinho chegou com 60 degredados condenados para formar um povoado e tentar estabelecer uma lavoura onde veio a ser a cidade de Vila Velha. Acabaram atacados e derrotados por duas populações macro-jê, os índios aimoré e goitacá, que resistiram às tentativas de escravização e destruíram as vilas e lavouras. Vasco Fernandes havia se desfeito de todo o seu patrimônio em Portugal visando enriquecer ainda mais nas "terras do brasil", mas fracassou, terminando pobre e entregue ao vício de bebidas e tabaco adquirido em sua capitania. Foi por esta época que o costume indígena com o fumo foi introduzido nas cortes europeias, e quem o apresentou por lá foi Luís de Góis, irmão do donatário Pero de Góis.
Mais ao sul dos conflitos nas capitanias de São Tomé e do Espírito Santo, os europeus se envolveram no conflito entre dois grandes grupos tupi do qual, pelos seus interesses comerciais, vieram a tomar parte. Os índios tamoio, da região do Rio de Janeiro, aliaram-se aos traficantes de pau-brasil franceses, e os índios tupiniquim, da região de São Paulo, aliaram-se aos colonos portugueses. Produziu-se então uma série de conflitos que levaram, por décadas, à destruição e à reconstrução de várias das vilas construídas naquele litoral.
Enquanto isto, a norte do continente, também se buscava alcançar ao rico império do ouro. As tentativas subindo pelo rio da Prata e percorrendo as trilhas indígenas do Peabiru não foram as únicas tentadas para acessar à lendária "Terra do Ouro e da Prata". Buscou-se acessá-la também subindo através daquele que os espanhóis chamavam de rio Marañón (que anos depois viria a ser rebatizado como rio Amazonas, o maior do mundo).
O primeiro a se aventurar por suas águas, em fevereiro de 1.500 (ainda antes de Cabral aportar no litoral brasileiro) foi o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón. A partir de então, todos os que por ali passaram escutaram relatos de que das altas e distantes montanhas nevadas havia um povo muito rico e poderoso. Justamente por causa destes relatos, as capitanias mais a norte do litoral brasileiro foram divididas entre funcionários da Fazenda Real, alguns dos homens mais ricos de Portugal: o tesoureiro-mor do reino Fernão d'Álvares de Andrade, e o feitor da Casa da Índia em Lisboa, João de Barros. Eles sonhavam alcançar tais terras, e escolheram uma posição geograficamente estratégica no mapa a ser ocupada para que a partir dali pudessem tentar cumprir tal objetivo. Eles nunca puserem seus pés no Brasil, mas organizaram uma grande expedição com 10 embarcações - cinco naus e cinco caravelas - comandada por Aires da Cunha, visando alcançar a "Serra da Prata" através das águas do rio Amazonas.
Este litoral, no entanto, a costa brasileira leste-oeste, representava as maiores dificuldades náuticas para aqueles tempos de pura navegação a vela. A frota nunca alcançou a foz desejada. Entre as que naufragaram e as que se perderam e aportaram na América Central, morreram cerca de 800 dos mais de 1.500 tripulantes que dela fizeram parte. Alguns dos sobreviventes construíram uma vila onde hoje está a cidade de São Luís, mas sofreram constantes ataques de outra população macro-jê, os índios tremembé, e tal vila não prosperou.
Aquela foz logo seria alcançada pelos espanhóis, só que em sentido contrário. Em 27 de dezembro de 1.541, Francisco de Orellana partiu junto a 57 homens, dentre os quais aquele que foi o cronista da aventura, o frei dominicano Gaspar de Carvajal. Zarparam das imediações de onde hoje está a cidade de Quito, numa tempestuosa rota pelos rios Coca, Napo, Ucayali, Solimões e Marañón. Neste trajeto, na confluência de desague do rio Trombetas, travaram um combate com um bando de mulheres guerreiras que Carvajal descreveu como "muito alvas e altas, com cabelos longos, entrançados e enrolados no alto da cabeça, muito robustas e andando nuas em pelo com arcos e flechas nas mãos, fazendo cada uma tanta guerra quanto dez índios homens". Tais guerreiras mataram a nove espanhóis da expedição, e por tal combate, inspirando-se nas cavaleiras amazonas das lendas de mulheres guerreiras dos mitos gregos, foi rebatizado aquele rio para sempre, deixando de ser o rio Maranón e passando a ser o “rio das Amazonas”. Jamais se conseguiu definir que grupo de mulheres foi aquele o qual Carvajal descreveu.
Em 26 de agosto de 1.542, a insólita expedição adentrou as águas do Oceano Atlântico, concluindo uma viagem de navegação por 7.250 quilômetros de água doce. Da foz rumaram para o Caribe, de onde conseguiram seguir para a Espanha. Em 1.544, Orellana seria nomeado o governador daquela região pelo rei espanhol Carlos V, voltando então para lá, sem que jamais tenha conseguido refazer o trajeto em sentido contrário, contra as correntes. Sua nova expedição acabou toda ela sucumbindo, com toda a tripulação da frota sendo morta pela malária.
Como mostra a narrativa, a ocupação dos novos territórios ocupados pelos europeus foi lenta e tortuosa. Especialmente na parte lusitana, onde não foram encontrados minerais de alto valor para financiar o ímpeto expedicionário. Diante de tamanha dificuldade, a principal referência portuguesa para a ocupação da parte do território que lhe cabia ficou quase inteiramente restrita às três capitanias que ficavam mais próximas das ilhas de Cabo Verde, na costa africana, e por isso de mais fácil conexão logística com Portugal; as capitanias da Baía de Todos os Santos, de Ilhéus e de Porto Seguro.
A de Ilhéus foi entregue ao escrivão da Fazenda Real, Jorge de Figueiredo Correia, que nela instalou oito engenhos de açúcar em parceria com o banqueiro italiano Lucas Giraldes (ambos jamais puseram seus pés no Brasil, enviando empreendedores para suas missões). Ali houve harmonia com os índios tupiniquim e tupinambá. Entretanto, a partir da instalação dos engenhos de açúcar na região, foi iniciado um conflito com os índios aimoré, numa guerra que devastou a vila e arruinou os engenhos. A de Porto Seguro foi entregue ao navegador Pero do Campo Tourinho, que para ela se mudou com sua família e cerca de 600 colonos, que conviviam em harmonia pelo escambo com os índios tupiniquim, mas que acabaram vítimas da guerra de Ilhéus contra os aimoré, que também os atacaram e destruíram as vilas ali criadas. E a da Baía de Todos os Santos, localizada onde hoje está a cidade de Salvador, foi dada a Francisco Pereira Coutinho - conhecido como "Rusticão" - que era o filho do alcaide-mor (espécie de prefeito) da cidade portuguesa de Santarém e dono de uma extensa ficha militar na Índia. Ele ali chegou junto a cerca de 200 colonos às terras onde já vivia o náufrago Diogo Álvares - o Caramuru - a quem o donatário, por estratégia política, deu posse de parte de suas terras. Ainda assim, o destino final das vilas ali criadas foi similar a partir da instalação de engenhos e da implementação do trabalho forçado, quando os nativos - neste caso, índios tupinambá - rebelaram-se e declaram guerra, destruindo a vila e os engenhos. Francisco Pereira acabou capturado, morto, cozinhado e devorado num ritual de vingança da etnia tupi.
A única capitania que realmente prosperou nesta primeira fase de tentativa portuguesa de colonização (mas não sem luta) foi a de Pernambuco. O donatário que lá fundou as vilas de Olinda e Igaraçu foi Duarte Coelho, filho bastardo de Gonçalo Coelho. Herói de guerra em conflitos contra hindus e árabes na Índia, na Malásia, na Tailândia e na Cochinchina, ele chegou à costa do pau-brasil junto à esposa e a famílias de agricultores, todos senhores rurais do norte de Portugal. Eram cerca de 200 colonos, gente pobre e que sempre viveu das lavouras. Ali formaram cinco engenhos de açúcar com mudas de cana extraídas da ilha da Madeira. Ao buscar a escravização de indígenas para o cultivo e a colheita da cana-de-açúcar, tais vilas e engenhos também viveram em constantes ataques dos povos caeté e tabajara, mas ainda assim conseguiram prosperar e obter crescimento.
Tantas tentativas fracassadas levaram o rei de Portugal, então Dom João III, a instalar um governo geral do território a partir de 1.549, quando adquiriu a capitania da Baía de Todos os Santos e ali instalou a primeira capital do Brasil, em Salvador, com orçamento público sustentado pelo erário português. Isto implicava no início da cobrança de impostos aos colonos. Tudo sob o comando de Tomé de Souza, um militar, oficial com elogiada folha de serviços no Marrocos e na Índia, membro dos Cavaleiros da Ordem de Cristo, e primo-irmão de Martim Afonso de Souza e do vedor da Fazenda portuguesa, Antônio de Ataíde. Junto ao comando político deste braço militar, seguiam com ele para formar a estrutura de governo no Brasil uma tríade formada pelo controlador das finanças - o provedor-mor Antônio Cardoso de Barros (um donatário que nunca antes havia posto seus pés no Brasil) - pelo braço da justiça a ser controlado pelo ouvidor-geral Pero Borges (ele mesmo um condenado em Portugal por corrupção e desvio de verbas de obras públicas) e por um defensor dos valores cristãos, Manuel de Nóbrega, representando a Companhia de Jesus (os padres jesuítas), uma então jovem ordem religiosa criada por Ignácio de Loyola, e que quase à mesma época havia enviado o espanhol Francisco Xavier à Ásia com a mesma missão.
Tal decisão do rei português tinha o propósito de marcar estrategicamente as terras portuguesas, visto que outros reinos da Europa secretamente planejavam expansões similares às realizadas por Portugal e Espanha. Isto se manifestaria logo a seguir, em 1.555, quando a França invadiu e ocupou o Rio de Janeiro, com planos de a partir dali obter o controle sobre o Cabo da Boa Esperança e a rota para a Índia. Naquele momento, tanto Portugal como a Espanha buscavam ter um maior controle e domínio sobre os vastos territórios que tinham alcançado, tentando a implementação de um vasto aparelho burocrático para dar mais eficiência ao funcionamento e à manutenção de um sistema militar, judiciário e de arrecadação. Às "terras de além-mar" passaram então a ser enviados desembargadores, juízes, ouvidores, escrivães, meirinhos, cobradores de impostos, vedores, almoxarifes e outros burocratas em geral, então chamados "letrados". Até então a contribuição do Brasil às receitas do Reino de Portugal era mínima, sendo tão só a oitava entre as regiões que contribuíam para a receita da monarquia. Era 61 vezes menor do que a receita de Portugal, 26 vezes menor do que a da Índia, um quarto da obtida com a escravidão no Castelo da Mina, um terço do Arquipélago dos Açores e um terço da Ilha da Madeira, inferior também às obtidas em Angola e na Guiné, e superior apenas à de Cabo Verde.
Foi somente em 1.549 que foi iniciada a obra da primeira cidade portuguesa nas Américas: Salvador, na baía de Todos os Santos. A matéria-prima para a construção foi obtida através de trocas - escambo - com os indígenas locais, que cediam insumos e trabalho buscando receber principalmente produtos que lhes dessem vantagem competitiva - tecnológica e/ou militar - frente às tribos adversárias e concorrentes. Assim, a contabilidade portuguesa em tais tempos indicava a cessão de anzóis, machados, machadinhas, foices, enxadas, facas, tesouras, cunhas, furadores e podões (a notar: todas ferramentas de metal), além de um único bem de luxo pelos nativos muito desejado: espelhos. Não havia transações financeiras com circulação de moeda. Era a forma como o trabalho das populações originárias da região era remunerado.
Desta forma, como um retrato em resumo, a ocupação do litoral brasileiro pelos portugueses nos entornos de 1.550 d.C. contava com a povoação de Duarte Coelho ao norte - na capitania de Pernambuco, a única a prosperar pelas mãos privadas dos donatários que as receberam -, na região central havia o novo governo-geral, em Salvador, e ao sul havia um conjunto de vilas - São Vicente, Santos, Santo André e Bertioga - próximas ao limite imposto pelo Tratado de Tordesilhas, em Cananeia, em local onde náufragos e degredados oriundos das primeiras expedições exploratórias tinham construído uma ampla rede de relacionamentos com os indígenas daquela região. Por ali, mas no interior, em janeiro de 1.554 seria fundado o Colégio Jesuíta de São Paulo de Piratininga, no coração das aldeias tupiniquim do líder Tibiriçá, sogro do náufrago João Ramalho, o embrião de formação da cidade de São Paulo.
Assim, dois dos primeiros centros urbanos brasileiros foram edificados em torno de dois náufragos venerados pelos nativos: o próprio Ramalho e Diogo "Caramuru" Álvares. Um se tornou a primeira capital e o outro que séculos depois veio a se tornar a maior cidade da América do Sul. Foi em meio a este contexto político que em 1.555 a França veio a invadir e ocupar a Baía de Guanabara, fazendo uma aliança estratégica com os índios tamoio. Isto se deu já durante a gestão do segundo governador-geral do Brasil, Duarte da Costa. O mesmo ano de 1.555 no qual os caeté atacaram Olinda e os tupinambá atacaram a Salvador, episódio que levou à Guerra de Itapuã, quando a supremacia da pólvora e dos armamentos de metal ficaria evidente, não tendo morrido nenhum português, ainda que muitos tenham saído feridos. Do outro lado, cerca de 700 tupinambás foram mortos. No ano seguinte, após naufragar durante seu retorno a Portugal, morreria e terminaria consumido em ritual antropofágico dos caeté o primeiro bispo católico do Brasil, Pero Fernandes Sardinha.
A série de insurreições e ameaças ao território colonial português só veio a ser interrompida quando, já durante a gestão do terceiro governador-geral, Mem de Sá, houve a expulsão dos franceses da costa brasileira, após um conflito armado em 1.560 no qual os portugueses, com apoio armado dos índios temiminó, reconquistaram a região da baía da Guanabara. Em decorrência, em 1.565 ali foi fundada a cidade do Rio de Janeiro. Assim, de forma definitiva estava consolidada a ocupação por Portugal da Costa do Brasil.
O principal objetivo português na América do Sul, entretanto, demorou para ser alcançado. A Espanha havia descoberto prodigiosas quantidades de metais preciosos - sobretudo ouro e prata - no México em 1.519, no Peru em 1.539, e na Bolívia em 1.545. Portugal não estava tendo a mesma sorte no Brasil (só viria a descobrir ouro, na região de Minas Gerais, em 1.695). Por isto, durante aproximadamente dois séculos a presença de Portugal no Brasil se manteria pequena e sob crescimento lento.
Era uma presença lusitana massivamente masculina e extrativa de matérias-primas de baixa atratividade econômica. As marcas desta ocupação estão na biologia daqueles que se tornaram seus descendentes nestas terras: o mtDNA - ou DNA mitocondrial - uma minúscula fita de material genético que fica no interior das mitocôndrias e que são as usinas de energia das células de organismos vivos complexos como o ser humano, só é transferido geneticamente pelo lado materno, não participando, portanto, do embaralhamento genético que acontece toda vez que óvulos e espermatozoides se mesclam e formam um embrião. O mtDNA é a principal fonte de informação para os geneticistas no estudo das linhagens maternas. Há uma tendência clara de diferenciação geográfica e, em menor grau, étnica, entre os chamados haplogrupos de mtDNA. E os haplogrupos ameríndios - isto é, das populações nativas do continente antes da chegada dos europeus - são bem característicos do continente, e tem uma ligação clara de semelhança com o de determinadas populações que ocupam a Sibéria, no leste asiático (o que é um dos argumentos mais fortes em favor da origem majoritariamente asiática dos nativos americanos).
Antropólogos e geneticistas contam com um equivalente igualmente útil para estudar as linhagens paternas. Trata-se do cromossomo Y, a marca genômica da masculinidade corporal. Biologicamente, todos os homens herdam um cromossomo X da mãe e um cromossomo Y do pai, e todas as mulheres têm uma dupla de cromossomos X, sem ter cromossomo Y.
Em todas as populações das Américas, o percentual de pessoas que tem um mtDNA de origem ligada às populações nativas é relativamente alto, enquanto a presença de cromossomos Y de origem ligada às populações nativas é percentualmente baixíssima. Esta assimetria é típica e característica de populações conquistadas por outras na história em todas as partes do planeta, tanto os israelitas do Antigo Testamento, gregos e romanos, os macedônios de Alexandre, os mongóis de Genghis Kahn, como espanhóis e portugueses na ocupação das Américas, todos estes sempre seguiram um mesmo figurino, também claramente visível nas histórias da África e da Oceania: numa operação de conquista, os homens dos grupos vencidos são mortos e aniquilados, e as mulheres são ou violentadas sexualmente ou condicionadas de forma submissa ao sexo com os homens conquistadores. É a reprodução da natureza animal dentro do espírito humano, já que é um padrão de conquista também encontrado na ampla maioria das espécies animais que compartilham o planeta com os seres humanos.
Esta história intensa também é manifestada na ocupação pela Espanha destas novas terras às quais seus navegadores chegaram. E como logo encontraram ouro e prata, riquezas amplamente cobiçadas na Europa, o processo de ocupação em tais terras foi ainda mais intenso e militarmente violento. Em 16 de novembro de 1.532, em Cajamarca, no Peru, o conquistador espanhol Francisco Pizarro, liderando um grupo de apenas 160 soldados esfarrapados, capturou o imperador inca Atahualpa, monarca absoluto, considerado pelos seus súditos como o "deus Sol", e que estava cercado naquele dia por um fiel exército de 80 mil guerreiros, todos dispostos a morrer por ele. Entretanto eram os espanhóis quem tinham armas mais poderosas. Foi esta captura o que viabilizou a conquista do Império Inca, o maior e mais adiantado estado das Américas naquele início de Século XVI.
Segundo os breves relatos de espanhóis presentes no campo de batalha em Cajamarca naquele dia: "Era tão grande a quantidade de ouro e prata em sua indumentária, que era maravilhoso observar o reflexo do sol sobre ela. Atahualpa estava ricamente vestido, com uma coroa e um colar de grandes esmeraldas. Seus esquadrões começaram a entrar na praça e a ocupar cada espaço vazio. Entoavam cânticos. Esperávamos o encontro escondidos no pátio, cheios de medo, muitos urinaram sem perceber, em estado de absoluto terror. O governador Pizarro enviou ao frei Vicente de Valverde para falar com Atahualpa e pedir para que, em nome de Deus e do rei da Espanha, ele se submetesse à lei de Jesus Cristo. Avançando com uma cruz em uma das mãos e a Bíblia na outra, por entre as tropas indígenas, ele falou a Atahualpa que ensinava aquilo que Deus dizia naquele livro. Atahualpa lhe tomou o livro, e com o rosto extremamente vermelho, atirou-o a uma distância de cinco ou seis passos. O frei então começou a gritar para que aqueles cães inimigos que rejeitavam as coisas de Deus fossem atacados, que Deus absolveria a todos que marchassem contra eles. Pizarro então deu o sinal e começaram os tiros, com a cavalaria e a infantaria neste momento saindo de seus esconderijos. Tinham sido colocadas matracas nos cavalos, animais que os índios nunca tinham visto antes em suas vidas. Com os estampidos das armas, os sons das cornetas, os relinchos dos cavalos, e o barulho das matracas, os índios ficaram apavorados. Tanto que subiam uns nos outros, em verdadeiro pânico. O ataque matou de uma vez a 7 mil índios durante um dia inteiro de carnificina, e muitos outros mais tiveram braços cortados pelas espadas, e outros ferimentos graves. Atahualpa acabou capturado, e Pizarro lhe discursou que eles tinham ido conquistar aquela terra para que todos tomassem conhecimento de Deus e da sagrada fé católica, para que deixassem aquela vida brutal e diabólica que levavam".
As tropas de Pizarro tinham espadas e armaduras de aço, e outas armas, e tinham cavalos para montar. As tropas de Atahualpa tinham pedras, bronze, machados e tacapes de madeira, e apenas acolchoados como armadura, e não tinham animais para montar. Este desequilíbrio foi decisivo na maioria das batalhas. Ainda assim, os espanhóis não se saíram vencedores em todas elas.
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