sexta-feira, 6 de maio de 2022

Grandes Civilizações das Américas Pré-Colonização


As principais "civilizações" pré-coloniais americanas

Fonte: site Arqueologia e Pré-História
https://arqueologiaeprehistoria.com/2022/04/11/as-principais-civilizacoes-pre-coloniais-americanas/
Autor: J. C. Moreno de Sousa (arqueólogo)


O que significa "civilização" para os arqueólogos?
Desde a segunda metade do século XX, pesquisadores têm utilizado, principalmente, o termo "civilização" para se referir às sociedades urbanizadas pré-coloniais do continente americano. O termo, no entanto, é utilizado desde o século XVIII pelo economista francês Victor Mirabeau, onde ele associa o termo com sociedades que possuem religião.

A definição da palavra "civilização", como conhida na atualidade, começou a ser construída apenas no final do século XIX, com os textos do antropólogo estadunidense Lewis Morgan, de 1877, onde o autor realizou uma classificação das sociedades baseado numa perspectiva progressista, e ultrapassada, de evolução cultural, na qual a civilização seria o ápice de uma sociedade, em oposição à "selvageria" e à "barbárie", que seriam sociedades "menos evoluídas". Este antropólogo definiu sociedades civilizadas como aquelas que possuíam escrita e uso fonético do alfabeto.

Já na arqueologia, o termo "civilização" foi adotado e difundido pelo arqueólogo australiano Vere Gordon Childe, principal nome da escola histórico-cultural da arqueologia. Childe propôs a identificação de mais caracteres para definir uma civilização. Além da escrita, sociedades civilizadas teriam divisões de riquezas, estrutura monumentais, matemática e centros urbanos onde não haveriam práticas agropecuárias.

No contexto das Américas, a maioria dos pesquisadores classificou as sociedades pré-coloniais como "civilizações" seguindo uma definição muito similar àquela proposta pelos arqueólogos estadunidenses Gordon Willey & Philip Phillips para os períodos "clássico" e "pós-clássico" que, em suma, seriam sociedades marcadas pelo processo urbanístico.

Importante notar, portanto, que a ideia de civilização como uma sociedade "mais evoluída" não se popularizou na arqueologia, sendo que, atualmente, ela só é usada, basicamente, para se referir às sociedades urbanas. Ou seja, sociedades que desenvolveram cidades, mas não necessariamente que dominavam algum tipo de escrita, como propuseram Morgan e Childe anteriormente.

Aqui, na América do Sul, por exemplo, a escrita nunca foi desenvolvida, nem sequer pelo Império Inca, considerada a última "civilização" pré-colombiana a ser extinta em 1572.


Origem e desenvolvimento das sociedades urbanas (civilizações) da América do Sul

Mas o processo de urbanização já é observado desde aproximadamente 5700 anos atrás, com a cultura Caral, nas terras baixas do Peru. No entanto, ainda parece haver um hiato entre a civilização de Caral e aquelas que vieram depois. Os dados atuais apontam que a cidade de Caral foi abandonada há cerca de 3800 anos.

Ruínas da cidade de Caral, no Peru:











Foi apenas quase um milênio depois, há cerca de 2900 anos, que uma nova sociedade urbanizada se desenvolveu, mas desta vez no Andes Peruanos. Trata-se da civilização Chavín, que durou até 2200 anos atrás. Pouco depois, há cerca de 2100 ano (ou, seja 100 a.C.), surgiu a Civilização Nazca, nas terras baixas do Peru. Contemporânea à Nazca, surge a civilização Moche, no litoral peruano. Ambas as civilizações encontraram o seu fim entre os anos de 800 e 850 d.C..

Ruínas de Chavín de Huántar, capital da civilização Chavín, no Peru:






Nazca foi dominada pela civilização Wari, que surgiu no ano 500 d.C. e se expandiu pelas terras altas e baixas do Peru. Já o fim da civilização Moche não possui as mesmas evidências deste domínio como ocorreu em Nazca. Se os Wari subjugaram os Moche, optaram apenas por deixar a cidade abandonada ao invés de ocupá-la. Da mesma forma, as cidades da civilização Wari foram abandonadas a partir de 1100 d.C., apenas 100 anos depois do início da civilização Inca, na cidade de Cusco.


Ruínas de Moche, no Peru:




A civilização de Tiwanaku se originou cerca de 600 d.C. no norte do Chile e da Argentina e se expandiu até a Bolívia e o Peru, e teve contato com a sociedade Wari, desaparecendo mais ou menos durante o mesmo período da civilização Wari – ainda não há um consenso entre os arqueólogos sobre a data exata de quando isso ocorreu –.

Ruínas de Huari, capital da civilização Wari, no Peru:




De todo modo, alguns autores sugerem que a cidade de Cusco, que se tornou a capital Inca, desenvolveu-se a partir das populações Wari e Tiwanaku que abandonaram suas cidades. 

Neste sentido, a civilização Inca não teria dominado os Wari e nem os Tiwanaku, mas tendo, na verdade, se desenvolvido a partir destas. Afinal, o Império Inca só começou sua expansão dominando outras cidades a partir do século XV. Esta hipótese arqueológica de origem dos grupos Inca, no entanto, não corrobora com a tradição oral registrada etnograficamente durante o período da conquista espanhola, no século XVI. A tradição oral reflete uma história de um casal de líderes que habitavam uma caverna nos Andes e fundaram Cusco. É importante lembrar, contudo, que as tradições orais são frutos de memória social e não necessariamente condizem com as evidências de estudos científicos.


Templo semi-subterrâneo (à frente) e templo de Kalasasaya (ao fundo)
na cidade de Tiwanaku, Chile

Ruínas de Tiwanaku:



Um século antes de Cusco surgir, aproximadamente 900 d.C., as civilizações de Chimú e Cachapoya, respectivamente nas terras baixas e nas terras altas, do Peru, desenvolveram-se de maneira independente. Ambas, no entanto, foram dominadas pelo Império Inca no ano de 1470 d.C.. O Império Inca acabou por se expandir para o norte até próximo da atual fronteira da Colômbia com o Equador, e ao sul até o atual centro do Chile e Argentina. Esta expansão foi, principalmente, sobre civilizações menores.







E no Brasil?
No atual território brasileiro, o termo civilização nunca foi aplicado a grupos ameríndios, ainda que alguns grupos tenham desenvolvido grandes aldeamentos. No entanto, o processo de urbanização não ocorreu.


E quanto a Mesoamérica?
No caso das Mesoamérica, todas as sociedades entendidas hoje como "civilizações" desenvolveram escrita, começando pelos Olmecas, a partir de 3200 anos atrás. A civilização Olmeca desapareceu um milênio depois e, ainda hoje, não há uma conclusão entre os arqueólogos sobre o que levou os Olmecas a desaparecerem. Para alguns autores, as evidências do contato entre Olmecas e Maias seriam também resultantes da migração das populações Olmecas para as cidades Maias. De todo modo, a única outra civilização Mesoamericana que desapareceu antes do domínio espanhol foi Teotihuacan, que se desenvolveu a partir de cerca do ano 1 d.C., e colapsou durante o século VII. Ou seja, séculos antes da reocupação pelos Aztecas, ou do próprio surgimento da civilização Azteca.

A cultura Olmeca, na América Central e no México:




Ruínas da Cidadela de Teotihuacan, no México:






Ruínas de Palenke, cidade Maia, no México:






Ruínas de Chichen-Itzá, cidade Maia, no México:





Por fim, todas as civilizações mesoamericanas se desenvolveram há menos de 3,5 mil anos atrás, possuíam escrita e, com exceção das civilizações de Teotithuacan e Olmeca, todas as demais perduraram até o século XVI, quando os espanhóis massacraram os povos nativos e destruíram todas as civilizações, tais como Azteca, Maia, Mixteca, Zapoteca e Tolteca. Boa parte das populações, no entanto, permaneceram vivas, sendo absorvidas pela sociedade ocidental moderna, mas ainda injustiçadas. Processo este que ocorre com povos nativos de todo o continente americano.




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Autor:
J. C. Moreno de Sousa é arqueólogo, professor de pré-história, especialista no estudo de artefatos de pedra lascada, arqueologia experimental e no estudo da ocupação inicial das Américas. Tem título de doutorado em arqueologia pelo Museu Nacional (UFRJ) e pela University of Exeter (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Foi criador da rede de divulgação científica Arqueologia e Pré-História, da qual participa atualmente como colaborador. Foi recém aprovado em vaga para professor adjunto na Universidade Federal de Rio Grande (UFRG).


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