segunda-feira, 13 de março de 2023

UMA NOVA HISTÓRIA DA HUMANIDADE


GRAEBER, David; WENGROW, David. O Despertar de Tudo - Uma Nova História da Humanidade. Editora Companhia das Letras, 2022. (556 páginas)


- As pessoas em geral não pensam sobre a magnitude da história humana.

- Os historiadores das ideias nunca abandonaram de fato a "Teoria dos Grandes Homens", como se fosse possível associar todas as ideias importantes de uma determinada época a um determinado indivíduo excepcional - Platão, Confúcio, Adam Smith ou Karl Marx - em vez de encarar os escritos destes autores como intervenções excepcionalmente brilhantes em debates que eram muito mais amplos, e que envolviam um amadurecimento coletivo de ideias e pensamentos.

- No norte da Espanha, há pinturas e entalhes nas cavernas que foram criados ao longo de uns 10 mil anos, entre aproximadamente 25.000 a.C. e 15.000 a.C.. Julga-se que ocorreram muitos eventos dramáticos durante este período, mas não há registros suficientes que permitam se ter conhecimento sobre a ampla maioria deles.

- Os seres humanos são inerentemente bons ou inerentemente maus? Estes são conceitos humanos, criados para nos compararmos entre uns e outros. Discutir se os seres humanos são bons ou maus em sua essência faz tanto sentido quanto discutir se os seres humanos são naturalmente gordos ou magros. Não há uma essência ou inerência, a ambiguidade e a variedade são parte vital da característica humana desde sempre.

- Os rituais pré-históricos festivos eram expressões de autoridade ou veículos de criatividade social? Os ancestrais humanos eram reacionários ou progressistas? Eram simples e igualitários, ou complexos e estratificados? Tinham natureza inocente ou corrupta? Intrinsecamente cooperativos ou competitivos? Generosos ou egoístas? Bons ou maus? O que realmente nos faz humanos, e sempre foi assim, é a nossa capacidade, como seres morais e sociais, de encontrar um meio-termo para todas estas alternativas. Os seres humanos tiveram dezenas de milhares de anos para experimentar diversos modos de vida.

- As sociedades humanas antes do surgimento do cultivo agrícola não se limitavam a pequenos bandos igualitários, o mundo dos caçadores-coletores antes da chegada da agricultura era repleto de experiências sociais arrojadas. Ao mesmo tempo muitas das primeiras comunidades agrícolas que surgiram eram relativamente isentas de níveis de hierarquia. Como tudo na história humana, não houve um padrão linear de mudança, mas diferentes formas e padrões que conviviam entre si.

- Surgiram evidências de que muitos caçadores-coletores não eram tão nômades quanto inicialmente foi imaginado a partir do momento em que houve a descoberta de templos de pedra nas montanhas de Gemus, acima da planície de Harran, no sudeste do que hoje é a Turquia. Lá foram encontrados vestígios antiquíssimos num lugar conhecido localmente como Gobekli Tepe. Um conjunto de vinte cercados megalíticos erguidos por volta de 9.000 a.C. e modificados muitas vezes ao longo de muitos séculos, criados numa época em que a planície ao redor era uma mistura de bosques e estepes, e com grandes pilares em formato de "T", alguns com mais de 5 metros de altura. Cada um entalhados com imagens de um mundo de carnívoros perigosos e répteis venenosos. A criação dessas edificações supõe uma atividade coordenada com rigor em uma escala de fato grandiosa. Embora naquela época já houvesse grupos humanos começando a praticar a agricultura não muito distante dali, não há indícios de que o povo que criou Gobekli Tepe era composto por agricultores. Aparentemente, as sociedades de caçadores-coletores tinham desenvolvido instituições para prover obras públicas de grande porte. Ou seja, supostamente havia uma hierarquia social complexa já antes da adoção da agricultura.

- Os sítios com sepultamentos extraordinários e arquitetura monumental na era humana pré-agrícola foram criados por sociedades que se dispersavam em bandos forrageadores numa época do ano e que se concentravam em povoados em outra época, oscilando seu comportamento de acordo às variações de fartura que existiam em função das sazonalidades das estações, assim como em função do comportamento sazonal das manadas que caçavam ou, nos leitos de rios, pelas fases cíclicas de pesca de acordo às épocas de desova dos peixes. Em determinadas momentos se aproveitava a abundância de frutas silvestres para festejar, executar rituais e construir engenhosos projetos artísticos conjuntos, indicando que provavelmente havia ciclos anuais de congregação e de dispersão, que eram sazonais.

- Com o fim da Era Glacial, houve uma expansão mais vigorosa das populações de forrageadores, especialmente em áreas costeiras, que buscavam peixes e aves marinhas, baleias e golfinhos, focas e lontras, caranguejos, camarões, ostras e moluscos de todos os tipos. Rios e lagos de água doce, alimentados por geleiras de altitudes, estavam fervilhantes de peixes, e atraíam aves migratórias. Tudo isto alimentou padrões sustentados de agrupamentos humanos cada vez maiores e bem distintos dos existentes na Era Glacial, quando longas migrações sazonais de mamutes e outros animais de caça de grande porte organizavam a vida social dos humanos.

- Por volta de 10.000 a.C. a região do Crescente Fértil se desenvolveu em duas direções claramente distintas, um "crescente de terras altas" e um "crescente de terras baixas". Uma área pelas encostas das Cordilheiras de Zagros e Taurus, seguindo ao norte do que hoje é a fronteira entre a Síria e a Turquia, num cinturão expandido de bosques de pistache e pradarias ricas em animais de caça, cortado por vales fluviais. A outra área ao sul se caracterizava por áreas de solo fértil intimamente ligadas aos sistemas fluviais.

- Entre 10.000 a.C. e 8.000 a.C., estas duas sociedades passaram por intensas transformações bem distintas. Nas duas regiões havia aldeias, povoados, acampamentos sazonais e centros de atividades rituais e cerimoniais marcados por edificações públicas de grande porte, e também graus variados de evidências de cultivo vegetal e criação animal, assim como de atividades de caça e coleta. E há também evidências de diferenças culturais. Nas terras altas, houve uma forte guinada hierarquizante entre os caçadores-forrageadores assentados, expressada no centro megalítico de Gobekli Tepe e sítios arqueológicos próximos. Nas terras baixas, dos vales dos rios Eufrates e Jordão, por outro lado, não existem sinais de monumentos megalíticos. Essas duas sociedades tinham uma intensa troca de materiais duráveis entre si a partir de longas distâncias, como obsidiana e minerais das montanhas aparecendo nas terras baixas, e conchas de moluscos das praias nas terras altas. Cada povoado da região parece ter desenvolvido uma especialidade própria para atender a esta rede de trocas comerciais. A própria agricultura parece ter começado justamente desta maneira, como um dos nichos de atividade ou de especialização.

- Nos leitos fluviais foi desenvolvido o "cultivo de vazante", nas área de cheias sazonais, um sistema menos laborioso de plantio, no qual a preparação do solo fica a carga das cheias, que se encarrega de amanhar a terra e renovar o solo, havendo após o recuo das águas a formação de um leito fértil de terra de aluvião, onde se fazia uma semeadura a lanço. Uma prática que exigia apenas a formação de pequenas barreiras de pedra para orientar a distribuição da água. Enquanto nas terras altas, a semeadura era feita de forma similar nas áreas de maiores índices pluviométricos. A engenhosidade e a inovação destas civilizações consistiam em se domar as forças naturais dos ciclos das águas.

- No Crescente Fértil do Oriente Médio, não houve uma guinada dos forrageadores paleolíticos para os agricultores neolíticos, a transição de uma subsistência baseada em recursos silvestres para uma vida baseada na produção de alimentos levou cerca de 3 mil anos, e em idas e vindas, longe de ter sido uma linha reta de evolução, com alternâncias de convivência entre diferentes modos de produção.

- Os primeiros agricultores ocupavam lacunas territoriais abandonadas pelos forrageadores, áreas de maior escassez de recursos naturais, geograficamente mais remotas e de mais difícil acesso, pouco interessantes para atrair atenção continuada de bandos de caçadores-coletores. O cultivo da terra começou em seus primórdios como uma cultura de privação, algo só praticado quando nada mais se havia a fazer.

- A importância dos cereais estava de fato em serem duráveis, transportáveis, facilmente divididos e medidos a granel (uma base ideal para a cobrança de impostos). Crescendo acima do solo, as plantações de cereais também eram fáceis de serem identificadas. O cultivo de cereais não levou ao surgimento dos Estados, mas sem dúvida era adequado às suas necessidades fiscais.

- Por volta de 7 mil anos atrás, os regimes das cheias dos rios começaram a mudar, permitindo que se adotassem rotinas mais regulares. Foi isso o que deu início às planícies aluviais amplas e férteis ao longo dos rios Amarelo, Indo e Tigre, e outros associados ao crescimento das primeiras grandes civilizações urbanas. Na província chinesa de Shandong, assentamentos de trezentos ou mais hectares como Liangchengzhen e Yaowangcheng já existiam antes de 2.500 a.C., mil anos antes das primeiras dinastias reais da China surgirem nas planícies centrais. No outro lado do Oceano Pacífico, na mesma época, centros cerimoniais de grande magnitude foram construídos no vale do rio Supe, no Peru, em Caral, onde foram encontradas praças e plataformas monumentais quatro milênios mais antigas do que o Império Inca.

- Quando foram iniciadas escavações arqueológicas em busca das cidades mencionadas no Antigo Testamento, como Nínive e Nemrod, foram encontradas ruínas ainda mais antigas de cidades e reinos que pertenciam a uma cultura até então desconhecida e que não constava nas escrituras bíblicas: a civilização dos sumérios, que falavam uma língua sem vínculos com a família linguística semita, da qual derivam o hebraico e o árabe.

- Numa época não posterior a 3.500 a.C. no Egito, cerca de 5 séculos antes da Primeira Dinastia, existiam sepulturas de pequenos monarcas em vários locais por todo o vale do Rio Nilo, e também mais ao sul, na Núbia. Não conhecemos seus nomes, uma vez que a escrita ainda não havia se desenvolvido bem, e ao que parece nenhum deles controlou territórios muito extensos.

- Na Mesopotâmia, em seu período Dinástico Inicial, era constituída por dezenas de cidades-Estados de dimensões variadas, cada qual governada por seu rei-guerreiro. As cidades que normalmente governavam existiam havia séculos, núcleos mercantis com arraigadas tradições de autogoverno. Os reis não alegavam ser divinos, eram apenas prepostos dos deuses e, às vezes, seus heroicos defensores na terra. Não há evidências de que estes primeiros reis reivindicaram soberania, a qual, em última análise, era um atributo restrito aos deuses.

- Em 3.300 a.C., Uruk, capital da Suméria, era uma aglomeração urbana com cerca de duzentos hectares, bem maior do que as cidades vizinhas na planície aluvial do sul da Mesopotâmia, com uma população estimada entre 20 mil e 50 mil habitantes. É bem possível que os caracteres cuneiformes tenham sido inventados em Uruk por volta de 3.300 a.C. para serem empregados sobretudo na contabilidade dos templos. A cidade original contava com uma acrópole ocupada por um distrito público elevado chamado de Eanna, a "Casa do Céu", dedicada à deusa Inanna, em cujo topo se erguiam nove edificações monumentais. A existência de uma escola de escribas neste local para gerenciar relações complexas entre pessoas, animais e coisas mostra que ali não era apenas a "morada dos deuses" utilizada para rituais coletivos, mas que ali havia também bens e atividades a serem administrados, e um corpo de aperfeiçoamento de técnicas pedagógicas a serem perpetuadas.

- Em cerca de 2.600 a.C. surgiu às margens do rio Indo na atual província de Sindh, onde hoje é o Paquistão, a cidade de Mohenjo-Daro, que existiu durante setecentos anos. Foi a primeira cultura urbana a florescer no sul da Ásia.

- Por volta de 1.200 a.C. surge na região onde hoje estão Índia e Paquistão o "Sistema de Varnas". No Rig Veda, uma antologia de hinos sacrificiais, o sistema, tal qual descrito em sânscritos posteriores, é descrito em quatro categorias hereditárias (varnas): os sacerdotes (brâmanes), os guerreiros ou nobres (xátrias), os lavradores e mercadores (vaixás), e os trabalhadores braçais (sudras). Em seguida vinham aqueles tão inferiores (párias) que eram excluídos por completo do sistema social.

- Nas Américas, antes da chegada e do contato mais constante com os europeus não havia ferramentas de metal, cavalos, burros, camelos ou bois, todo o transporte era feito a pé, em canoa ou em trenó. No entanto, a escala de capitais pré-colombianas como Teotihuacan ou Tenochtitlan supera em muito o tamanho das primeiras cidades na China e na Mesopotâmia, e fazem com que as antigas cidades da Grécia, como Tirinto e Micenas, pareçam pouco mais do que povoados fortificados. 

- A cidade de Teotihuacan teve seu auge cerca de oito séculos - 800 anos - antes da chegada do povo mexica à região onde estes construíram Tenochtitlan e fundaram o Império Asteca. Isto equivale a mil anos antes da chegada dos espanhóis à região. O declínio de Teotihuacan ocorreu por volta do ano 600 d.C. e quando os astecas a descobriram, maravilhados, chamaram-na de "Lugar dos Deuses", tendo sido eles quem batizaram seus monumentos como "Pirâmide do Sol", "Pirâmide da Lua" e "Calçada dos Mortos". Não restou qualquer relato do propósito para o qual os teotihuacanos tinham construído aquelas edificações colossais.

- Os cidadãos de Teotihuacan eram prolíficos artesãos e criadores de imagens, tendo deixado para a posteridade desde monumentais esculturas de pedra até minúsculas figuras de terracota detalhadamente trabalhadas, além de murais vividos de registros de suas atividades humanas. Em nenhum destes registros havia qualquer imagem com representações de soberanos subjugando subordinados, como era comum nas artes equivalentes deixadas por povos que foram seus contemporâneos na Mesoamérica, como os zapotecas e os maias, para os quais este tema é constante nas obras por eles deixadas.

- Entre os períodos de Teotihuacan e Tenochtitlan houve grandes civilizações mesoamericanas na região, como Monte Alban (500 d.C. a 800 d.C.), Tula (850 d.C. a 1.150 d.C.) e Cahokia (800 d.C. a 1.200 d.C.). 

- A primeira grande civilização da Mesoamérica foram os Olmecas, ainda que estes não possam ser considerados um único grupo étnico ou político. Eles deixaram uma ampla variedade de cerâmicas, estatuetas e esculturas antropomórficas com uma identidade cultural facilmente reconhecível, datadas do período entre 1.500 a.C. e 1.000 a.C., e encontradas em diversos pontos de uma imensa área da América Central e do sul do México. Foram eles os inventores dos sistemas de calendário, das escritas com glifos e dos jogos de bola, variantes comuns de todas as civilizações que ocuparam a Mesoamérica a partir de então. A realização cultural mais característica deste povo são as imensas cabeças de dimensões colossais esculpidas em pedra basalto, pesando toneladas. Não foram encontradas evidências arqueológicas de estrutura militar e administrativa estável, mas de controle de uma extraordinária difusão cultural a partir de centros cerimoniais únicos.

- Por volta do ano 1.150 d.C. o povo Mexica migrou rumo ao sul, saindo das terras que eles chamavam de Aztlán (cujo local exato é desconhecido) em direção ao vale central do que hoje é o México. Buscavam o local onde as profecias diziam que construiriam um grande império, num local exato onde avistassem uma águia comendo uma serpente sobre um cacto. Foi onde construíram Tenochtitlan e fundaram o império da Tríplice Aliança Asteca, a união política entre as três maiores cidades-Estados náuatles: Tenochtitlan, Texcoco e Tlacopan.

- Quando os navegadores espanhóis chegaram às Américas havia apenas dois "Estados" claramente definidos: os astecas na região onde hoje é o México e os incas na região onde hoje é o Peru e seus entornos. Em suas cartas e comunicados, o navegador Hernán Cortés escreveu sobre grandes cidades, reinos e por vezes repúblicas, jamais tendo se perguntado quais poderiam ser considerados um "Estado", dado que este conceito mal existia ainda naquela época. Ele hesitou em chamar Moctezuma de imperador, até porque não o igualaria a seu soberano, o rei Carlos V.

- A sociedade mexica tinha todos os elementos de um "Estado político" organizado: planejamento administrativo e ordenamento urbano, hierarquia militar e unidade religiosa, que fazia o papel de controle da informação sobre os conhecimentos a respeito das divindades que acreditavam que controlavam o mundo.

- No Império Asteca, ao nascerem os meninos recebiam um escudo e quatro flechas, com as parteiras orando para que fossem guerreiros valiosos. Era a associação do ser masculino à figura da guerra e da caça. Ao nascerem as meninas recebiam rocas e teares, numa associação à figura feminina à dedicação às tarefas domésticas e de sustentação alimentar da comunidade. Não foi de todo a regra: nem toda sociedade no passado da humanidade esteve assim organizada, mas assim foi que a ampla maioria se estruturou desde os passados mais remotos da história da humanidade.

- Na América do Sul, alguns tipos de centros cerimoniais monumentais já existiam desde 3.000 a.C., posteriormente, entre 1.000 a.C. e 200 a.C. um único centro - Chavín de Huántar - no planalto setentrional de onde hoje está o Peru, exerceu uma grande influência cultural na região, derivando em três centros políticos: nos planaltos centrais surgiu um grupo militarizado, os waris; nas margens do Lago Titicaca emergiu a metrópole de Tiwanaku, com seus 420 hectares, alimentada por um engenhoso sistema de lavouras elevadas que permitiu o cultivo agrícola nas altitudes gélidas do altiplano boliviano; e no litoral norte do Peru se formou a cultura dos mochicas, com seus luxuosos túmulos de sacerdotisas-guerreiras recobertos de ouro. Nada em Chavín de Huántar indica a presença de um governo secular. Não há fortificações militares nem distritos administrativos óbvios. Quase tudo parece ter a ver com cerimônias rituais e conhecimentos esotéricos.

- No Império Inca, as montanhas representavam a espinha-dorsal do poder imperial (curiosamente o oposto da Europa e da Ásia, onde as montanhas serviam de abrigo a rebeldes e heréticos que se refugiavam em terras altas para fugir do poder coercitivo de reis e imperadores). No topo da Cordilheira dos Andes, mais próximos à "Morada dos Desuses", estava o super-reino de Tawantinsuyu, cujo significado na língua quechua era algo próximo a "regiões estreitamente unidas", referindo-se aos quatro "suyus", as grandes unidades administrativas de poder do Sapa Inca. Da capital Cusco, os incas da realeza extraíam a mita, um tributo sob a forma de trabalho ou corveia de todo o império, que se estendia por uma região que vai desde hoje está a cidade de Quito, capital do Equador, até a cidade de Santiago, hoje capital do Chile - um território de aproximadamente 4 mil quilômetros - onde era exercida a soberania do "Deus Sol" sobre 80 províncias contíguas e incontáveis grupos étnicos distintos. Os primeiros europeus os consideravam administradores magistrais.

- Conforme relato de Pedro Cieza de León em seu livro de 1553 intitulado "Crônicas do Peru": "em cada capital de província havia contadores chamados de guardiões e ordenadores nós que registravam e contavam o que fora pago em tributos (estes nós na língua quechua se chamavam "khipukamayuqs"), podendo ser estes desde prata, ouro, roupas e animais de rebanho até lã e outras miudezas. Estes nós podiam produzir um registro de tudo que havia sido pago num decorrer de ou um ou dez ou vinte anos, e mantinham tão bem as contas que não deixavam passar sequer um par de sandálias". Para fazer os registros, os nós nas cordas tinham variação de tamanho e diferentes combinações de cores.

- No Império Asteca, o imperador, a despeito de sua magnificência, era apenas o primeiro a falar na reunião do conselho dos nobres. Apear de todo um espetáculo sanguinário de cunho religioso repleto de sacrifícios humanos, o Império Asteca era tão só uma "confederação de famílias nobres" que mantinha um estado constante de guerra e violência sexual contra as civilizações vizinhas por propósitos religiosos de alimentação aos deuses responsáveis por lhes manter a abundância na natureza. Já o Sapa Inca (o "Principal Inca"), na América do Sul, representava a própria encarnação do Sol entre os humanos, uma divindade que nunca morria de fato, sendo os corpos dos reis mumificados e preservados para que continuassem a reinar de "além-túmulo" (assim como também era no Egito dos faraós). Os corpos mumificados dos Sapa Incas eram levados para participar de celebrações públicas (diferentemente do Egito, onde eram mantidos em tumbas sagradas).

- Na época da chegada dos espanhóis às Américas já se haviam passado seis séculos desde o colapso da Civilização dos Maias. As sociedades maias sobreviventes eram descentralizadas e divididas numa enorme variedade de municipalidades e principados, muitos dos quais já não tendo mais a um soberano. Seus registros, compilados no final do Século XVI nos livros Chilam Balam, tratam incessantemente de desastres e tribulações que acometeram a governantes opressores e despóticos, contra quem acabaram havendo rebeliões que os derrubaram.

- Na maior parte da Idade Média, a Europa setentrional era considerada um rincão atrasado, obscuro e pouco convidativo, cheio de fanáticos religiosos. Tudo isso mudou na segunda metade do Século XV, quando os navios portugueses começaram a contornar a África e se lançar no Oceano Índico - sobretudo com a chegada espanhola às Américas. De uma hora para outra, alguns dos reinos europeus mais poderosos se viram no controle de amplas regiões do globo terrestre, e intelectuais europeus se viram expostos a uma imensidade de ideias sociais, científicas e políticas nunca antes imaginadas. O resultado desta enxurrada de novas ideias veio a ser conhecido como "Iluminismo".

- No Século XVII, ninguém sabia que os dinossauros tinham existido na Terra. Desconhecia-se a existência de fósseis destes animais pré-históricos. No Século XIX, ninguém no Ocidente sabia que o universo existia antes de outubro de 4.004 a.C., conforme falava o Livro do Gênesis. O conhecimento de descendentes mais antigos da raça humana só surgiu após os descobrimentos na caverna Brixham, em Devon, na Inglaterra, em 1858, quando se encontraram machados e pedra, que só podiam ser feitos por seres humanos, ao lado de restos de ursos-da-caverna, rinocerontes-lanudos e outras espécies extintas de animais, tudo embaixo de uma cobertura intacta de pedras.

- O Iluminismo assinalou uma ruptura fundamental na história humana: a Revolução Francesa e a Guerra de Independência dos Estados Unidos foram o resultado desta ruptura. Introduziu uma possibilidade simplesmente inexistente até então: a transformação da sociedade em conformidade com um ideal racional. As sociedades pré-iluministas eram baseadas na comunidade, no status, na autoridade e no sagrado. Nelas, os seres humanos não agiam por conta própria, eram escravos dos costumes, agentes de foças sociais inexoráveis projetadas por poderes sobrenaturais. As sociedades pós-iluministas passaram a ter a capacidade de intervir de forma consciente e mudar sua própria história e mudar seu curso.

- A ideia de que os ideais de liberdade, igualdade e democracia são de alguma maneira produtos da "tradição ocidental" causaria uma enorme surpresa em pensadores europeus do Século XVIII, por exemplo, pois os pensadores do Iluminismo que propunham estas ideias as atribuíam a estrangeiros e "selvagens", que supostamente não saberiam o que é a ordem.

- Entre os intelectuais europeus, os relatos das experiências entre nativos das Américas se tornaram recordes de venda de livros na Europa, como foram os casos de relatos como "Le grand voyage du pays des Hurons" ("A grande viagem à terra dos Hurões", sendo este um grupo de agricultores indígenas que ocupava as terras da América do Norte, organizados em tribos de até mil membros), livro escrito por Gabriel Sagard Theodat; assim como "Relations des jésuites" ("Relatos dos jesuítas"), trabalho muito mais extenso e com vários autores, publicado entre 1.633 d.C. e 1.673 d.C..

- Como escreveu o padre Lejeune, superior dos jesuítas no Canadá nos Anos 1630: "praticamente nenhum deles é incapaz de conversar ou arrazoar muito bem, e em bons termos, sobre os assuntos que são de seu conhecimento. Os conselhos, que se reúnem quase todos os dias nas aldeias e tratam sobre quase todos os assuntos, aperfeiçoam sua capacidade de se expressar e falar". Percepção complementada pelas observações do padre Lallemant: "posso dizer que, no que se refere à inteligência, eles não são, de maneira nenhuma, inferiores aos europeus. Eu nunca teria acreditado que, sem instrução, a natureza poderia proporcionar uma eloquência extremamente ágil e vigorosa como a que admirei, ou uma visão mais clara nos assuntos públicos, ou uma administração mais circunspecta em coisas a que estão acostumados".

- Durante os Séculos XVIII e XIX, os governos europeus foram pouco a pouco assimilando a ideia de que todo governo deve exercer de modo adequado a sua autoridade sobre uma população de língua e cultura em grande parte uniformes. Nunca havia existido nada remotamente parecido em nenhum período anterior da história da Europa. No entanto, buscavam praticamente o mesmo sistema que existia havia séculos na China.

- Neste intercâmbio cultural, surgiram críticas às crenças religiosas: se fosse possível que Deus tivesse rebaixado seus critérios o suficiente para vir à Terra, teria vindo à vista de todos, descendo em triunfo, com pompa e majestade publicamente, indo de nação em nação realizando grandes milagres, conferindo a todos os povos as mesmas leis, de forma que todos tivessem a mesma religião, uniformemente difundida, ao invés de existirem quinhentas ou seiscentas religiões diferentes, o que é um indício de terem sido um produto humano e não sobre-humano.

- As sociedades humanas evoluíram na história conforme a tecnologia avançou, através de inovações que proporcionaram saltos de conhecimento. As diferenças de talento destacadas por estes avanços de conhecimento ganharam cada vez mais importância, formando a base para uma divisão social cada vez mais complexa em torno do conhecimento e do acesso à educação.

- Ao longo do Século XX, os cientistas sociais definiram o Estado em termos estritamente funcionais, argumentando que a medida que as sociedades se tornaram mais complexas, surgiu uma necessidade de criar estruturas de comando de cima para baixo para coordenar todas as atividades. Afirmavam que basicamente uma vez que os Estados são complexos, qualquer forma de ordenação social mais complexa deve ter sido um Estado. As evidências arqueológicas posteriores, no entanto, comprovaram que nem sempre foi assim. O processo de formação de grandes sociedades ao longo da história da humanidade foi variado e não seguiu sempre uma mesma lógica única.

- Há três formas de liberdade fundamentais primárias: a liberdade de ir e vir, a liberdade de desobedecer a ordens, e a liberdade de reordenar as relações sociais. E há três formas elementares de dominação, que são fundamentos possíveis de poder social: o controle da violência, o controle das informações, e o poder de carisma individual (este último, é o mais efêmero dos três). Em geral, estes três sempre coexistem em certa medida. As hierarquias fundadas em conhecimento sempre foram muito comuns, seja por informações técnicas referentes a tecnologias específicas, seja por mistificações que tentavam entender e explicar tudo a sua volta com base num ordenamento superior impostos por entidades, vindo a originar as religiões.

- A inovação nas sociedades neolíticas esteve sempre baseada num conjunto de conhecimentos coletivos acumulados por séculos e séculos. Muitas de suas descobertas tiveram um efeito cumulativo de reconfiguração da vida cotidiana de maneira tão profunda quanto o tear automático ou a lâmpada elétrica. Quem pela primeira vez percebeu que era possível fazer a massa de pão crescer com o acréscimo de fungos chamados de levedura é quase certo que foi uma mulher que muito provavelmente não seria considerada de pele branca. E com certeza foram descobertas baseadas em séculos de experiências e conhecimentos acumulados.

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