Em seu auge, o Império Khmer controlava a maior parte do Sudeste Asiático, incluindo as áreas atuais de Camboja, Laos, sul do Vietnã e Tailândia, ao longo do rio Mekong, o sétimo maior rio do mundo. As marcas dos dias grandiosos estão no sangue do povo cambojano: o Camboja é um dos mais homogéneos países da Ásia em termos de etnia, sua população é constituída em 90% por descendentes khmer. A civilização Khmer existiu de 802 d.C. até 1.431 d.C., praticando o hinduísmo e o budismo como suas principais religiões. Angkor era a sua capital e acredita-se ter sido uma das maiores cidades do mundo na época, com uma população de um milhão de pessoas. O império era dividido em aproximadamente 23 províncias com uma forma sofisticada de governo, inclusive nos níveis locais.
Nas suas origens, o Império Khmer foi precedido pelo Império Chenla, um sistema político com centros de poder mutáveis, dividido no início do Século VIII em Land Chenla ("Chenla terrestre") e Water Chenla ("Chenla aquática"). No final do Século VIII, Water Chenla foi absorvida em parte pelos malaios do Império Srivijaya e em outra pelos javaneses do Império Shailandra, sendo eventualmente incorporada a Java e Srivijaya.
Ainda que não haja registros escritos sobre a história do Império Khmer, há inscrições em relevo em pedras e nos muros dos templos que ajudam a recontá-la. As bases do império foram estabelecidas pelo rei Jayavarman II quem, 802, conduziu um grandioso ritual de consagração no sagrado Monte Mahendraparvata, agora conhecido como Phnom Kulen.
O então jovem príncipe Jayavarman II havia sido capturado pelos governantes da Ilha de Java, tendo ficado alguns anos por lá mantido sequestrado, até conseguir escapar para então voltar para o Camboja. Com desejo de vingança, ele juntou seu exército de guerreiros e partiu em direção a Java. Após uma batalha no golfo da Tailândia, o exército do príncipe saiu vencedor, e a partir de então foram lançadas as bases do futuro império. Uma de suas primeiras providências foi mandar construir a capital Hariharalaya, perto da atual cidade de Roluos, lançando as bases de Angkor, que surgiria cerca de 15 quilômetros a noroeste dali. A cidade ficava no topo de uma montanha, local que, segundo a crença local, era onde moravam os espíritos e os deuses.
Os khmer passaram a viver então um período de glórias. Em uma região que atravessava anualmente meses de seca por causa das monções. Os reis perceberam que era fundamental criar um sistema de irrigação eficiente, que proporcionasse água o ano todo, e por isto construíram uma sofisticada rede de canais e reservatórios que permitiam a irrigação constante das plantações de arroz, o principal alimento da população – e a maior riqueza dos khmer.
Os primeiros templos já tinham os traços originais da arte khmer: torres torneadas, elefantes e nagas (cobras-capelo) que assinalam os pontos cardeais, largas ruas empedradas de acesso e muros altos que protegem os edifícios. A morada mitológica dos deuses hindus e centro do universo, o Monte Meru, é repetida simbolicamente vezes sem conta, sob a forma de pirâmides de pedra onde se erigiam santuários, rodeadas por grandes reservatórios de água, os baray, que representavam o igualmente mítico "Oceano de Leite".
Os sucessores de Jayavarman II continuaram ampliando o território. Indravarman I, que reinou de 877 a 889, conseguiu expandir o reino sem guerras e iniciou extensos projetos de construção, que foram possibilitados pela riqueza obtida através do comércio e da agricultura. Em primeiro lugar estavam o templo de Preah Ko e as obras de irrigação. A rede de gestão da água dependia de configurações elaboradas de canais, lagoas e diques construídos a partir de enormes quantidades de areia argilosa, o material a granel disponível na planície de Angkor. Foi Indravarman I quem desenvolveu Hariharalaya, construindo Bakong por volta de 881, cidade que, em particular, tem semelhanças impressionantes com o templo Borobudur em Java, o que sugere que este deve ter servido como protótipo para Bakong. Pode ter havido trocas de viajantes e missões entre os Kambuja e os Sailendras em Java, o que teria trazido para o Camboja não apenas ideias, mas também detalhes técnicos e arquitetônicos.
Foi também Indravarman I quem construiu o primeiro grande reservatório de água, de quase 5 quilômetros quadrados e com capacidade para até 8 milhões de litros cúbicos d'água – mais que suficiente para abastecer a cidade inteira e irrigar os campos de arroz – construído por volta de 877 pelo rei.
Em sua história, os Khmer foram mestres construtores, ergueram enormes templos, reservatórios, canais e estradas em toda a área, atravessando os rios com grandes pontes. Angkor Wat, um grande complexo religioso, foi construído por Suryavarman II em 1.122 d.C, tendo levado 30 anos para ser concluído. O monarca desenvolveu o projeto inicial da gigantesca nova capital em um local ainda mais privilegiado – entre o lago Tonlé Sap e as montanhas, onde a água era mais abundante. Angkor não era apenas uma cidade colossal. Da tecnologia empregada nela derivou toda a prosperidade agrícola da planície cambojana – local que já era naturalmente irrigado, mas onde os níveis dos rios flutuavam muito. Controlados com o sofisticado sistema de lagos artificiais e canais, esses rios foram capazes de produzir solos com imensa fertilidade.
Angkor Wat é considerado um dos mais inspirados monumentos arquitetônicos jamais construído na história humana. Os seus relevos e estatuária revelam as requintadas pompas do rei-deus, que incluíam desfiles de elefantes, apsaras (dançarinas dos templos), faustosas celebrações de vitória sobre os inimigos e cenas do Mahabarata, célebre obra épica hindu.
O sistema de águas de Angkor, controlado pelo rei, era encarado pela população com reverência religiosa. O rei passou a ser visto como um deus, já que era o fornecedor da divina água. Os diversos templos e palácios da capital do império foram levantados, assim, como expressão dessa devoção. Os primeiros templos construídos eram relativamente pequenos. Mas os khmer foram tomando gosto pelas mega-construções. Angkor Wat é o maior exemplo disso, a obra-prima da arquitetura khmer. Com 1.550 metros de comprimento por 1.400 metros de largura, é rodeado por um fosso imenso. Sua posição, voltada para oeste e não para leste, como era comum, indica o possível uso que o monarca faria dele: seu templo mortuário – segundo a mitologia indochinesa, o oeste é a direção para onde os mortos caminham.
Dando prosseguimento ao projeto de grandeza, o rei Jayavarman VII construiu o complexo Angkor Thom junto com uma extensa rede de estradas conectando todas as cidades, adicionando 121 casas para viajantes e comerciantes permanecerem quando se mudaram pelo império, além de ter desenvolvido 102 hospitais em todo o império. O nome atual Angkor Thom significa, traduzido da língua khmer, a Grande Capital; porém, na época de sua construção a cidade era conhecida como Jayashri, que traduzido do sânscrito significa "Afortunado pela Vitória". Em Angkor Thom, na nova capital, o rei ergueu o maior templo que os khmer já tinham visto, Bayon, o qual o rei dedicou não aos deuses hindus, como era costume até então, e sim às divindades budistas. O templo Bayon tem três andares, quarenta e nove torres, cento e setenta e dois rostos de pedra, mil e duzentos metros de baixos-relevos. A cidade se tornou um importante centro comercial, visitado constantemente por chineses e indianos para a compra de várias mercadorias. A praça principal e as ruas de Angkor costumavam ser tomadas pelo som de harpas e instrumentos de corda, em efervescência.
Foi assim, com Angkor Wat e Angkor Thom, que a sociedade khmer foi capaz de erguer uma megalópole de 1.000 quilômetros quadrados, ou seja, algo entre os tamanhos geográficos que tinham as cidades de Nova York e São Paulo ao fim do Século XX. Até a Revolução Industrial, no Século XIX, a cidade de Angkor foi a maior que já havia existido no mundo.
O império produziu muitos templos e monumentos apoiando e celebrando a autoridade considerada por eles dada pelos deuses para seus reis. Os templos eram considerados o lar dos deuses hindus, tendo sido construídos com estruturas de pirâmide escalonadas para refletir a montanha sagrada dos deuses. Esculturas em baixo relevo encontradas em todos os lugares retratavam histórias sobre nobreza, conquistas militares e a vida de pessoas comuns no mercado ou na pesca.
Os têxteis eram uma parte essencial da economia e eram comercializados extensivamente com outras civilizações. Em Angkor Wat, a seda crua era um dos grandes negócios prósperos no sudeste da Ásia. As amoreiras foram cultivadas especificamente para alimentar os bichos-da-seda, e os teares de madeira estavam ocupados tecendo a seda crua em tecido para enviar para a rota comercial - a "Rota da Seda" - que cruzava do leste asiático até a Europa. Os tecelões de seda usaram a técnica "ikat" para produzir um tecido estampado.
Os khmer também eram grandes produtores de laca, um processo usando panelas de barro e colorindo-as de preto queimando madeira e usando as cinzas da mistura. Para os khmer, a cor preta representava o submundo, o vermelho feito de mercúrio representando a terra, e o amarelo do arsênico representando os céus (o sol). A cerâmica era geralmente usada para fins domésticos, e geralmente não era comercializada, também tendo sido feitas na forma de animais ou no padrão de lotus.
Mas acredita-se que Angkor tenha sido o começo do fim do império, pois os esforços para a sua construção teriam sido custosos demais, e os valores normalmente aplicados no sistema de irrigação teriam sido desviados para o levantamento do santuário. O Império Khmer teve problemas com seu sistema de águas, quando ele ficou cheio de lodo quando as árvores foram cortadas para fazer campos de arroz e o controle de inundações foi comprometido. Há provas arqueológicas encontradas mostrando que o sistema hidráulico da cidade acabou provocando um enfraquecimento do terreno, havendo sinais de erosão que comprovam perda de fertilidade do solo e excesso de desmatamento.
É certo que no Século XIII o império passou a ser mais atacado pela Tailândia e pelo Vietnã, e a cidade de Angkor Thom começou a ser saqueada com alguma frequência. Em 1.431, a partir de uma revolta da região da Tailândia, no reino Tai, houve uma grande invasão da capital, com os tailandeses roubando toda a capital e as lutas internas pelo poder no reino tornado mais difícil uma união para vencer o inimigo. Abandonada, a antes rica Angkor foi aos poucos sendo dominada pela selva. Mas a incrível civilização que os khmer construíram ao longo dos séculos não se perdeu. Quatrocentos anos depois, sua saga recomeçaria a ser contada por exploradores e cientistas.
Foi a partir de uma expedição de Henri Mouhot, naturalista francês, que foi despertada a curiosidade do mundo sobre esta cidade perdida, com a publicação do seu livro "Le Tour du Monde", em 1.860. O naturalista francês não acreditava no que via: em meio à densa selva asiática do Camboja, então parte da colônia francesa da Indochina, encontrou templos imensos, esculturas riquíssimas e um complexo sistema hidráulico entre árvores, macacos, leopardos e insetos, muitos insetos... As construções, engolidas pela floresta, eram descobertas naquela missão patrocinada pela Real Sociedade Geográfica Britânica e pela Sociedade Zoológica de Londres.
A partir de 1.863, o Camboja se tornou um protetorado francês. Porém, o desbravar da selva e a recuperação progressiva de alguns monumentos só começou no início do Século XX, continuou a partir da independência desta parte da Indochina francesa que deu origem ao país Camboja, em 1953, esteve interrompida pelo reinado de terror dos "Khmer Vermelhos" nos Anos 1970, mas pode enfim ser concluída, com a constituição de um dos principais complexos turísticos para visitação no planeta.
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