quinta-feira, 19 de junho de 2025

O reencontro da raça humana, a maior aventura e a maior mudança populacional que nossa história escrita já registrou em detalhes

Milênios após a humanidade deixar a África e ter se espalhado por todo o planeta, uma grande aventura, que desafiou aos limites da coragem humana, mudou tudo dela em diante, levando a raça humana espalhada pelo globo terrestre a se reencontrar. Esta é a história da Era das Grandes Navegações Transoceânicas, que levaram à colonização das Américas pelos europeus, a maior mudança populacional que nossa história escrita registrou. Uma aventura inóspita como nenhuma outra tão detalhadamente registrada pelos humanos, cuja narrativa demonstra como a coragem é fator determinante numa exploração do desconhecido, sendo uma das características mais diferenciada no espírito humano.

O ponto de partida desta história se deu no extremo sudoeste da Europa, na ponta da Península Ibérica, numa região entre os rios Douro e Tejo inicialmente ocupada pelo Império Romano, o qual ali montou, mais de um milênio antes, a uma colônia batizada como Portus Calle. Aquela região veio a ser conquistada pelos mouros e ficou séculos sob o domínio árabe, até ter sido, em 1.097 d.C., reconquistada pelas "Cruzadas Católicas", que ali fundaram o condado de Portucale.

Em 1.139 uma guerra liderada por Afonso Henriques tornou a região independe do reino de Leão e Castela, por fim vindo a ser fundado ali o reino de Portugal. Em 1.383, Castela voltou a tentar reanexar a região, mas com apoio de arqueiros ingleses, o rei Dom João I venceu a batalha de Aljubarrota. Ele então se casou com a inglesa Filipa de Lancaster, com quem teve cinco filhos, quatro homens e uma mulher. Um destes filhos, o terceiro, Henrique, viria a se destacar militarmente em 1.415 na Cruzada que conquistou a cidade árabe de Ceuta, na ponta africana do Estreito de Gibraltar. Foi lá, durante sessões de tortura aplicadas a prisioneiros de guerra, que ele tomou conhecimento de rotas comerciais que carregavam ouro através de caravanas cruzando o Deserto do Saara, partindo da região de Mali.

A informação obtida foi a de que o ouro era negociado em "comércio mudo" na foz de um grande rio que desaguava no Oceano Atlântico, entre povos que não falavam uma mesma língua, e em território que ficava ao sul das Ilhas Canárias (em foz daquele que posteriormente se soube que era o rio Senegal). Sabendo que não teria como cruzar o deserto, ele planejou alcançar a foz de tal rio pelo mar.

Ao regressar da batalha, em 1.419, o infante Dom Henrique foi declarado pelo rei, seu pai, como o administrador da "Ordem dos Cavaleiros de Cristo", e recebeu a missão de alcançar a tal ouro. Para cumprir tal missão, ele se isolou num cabo ermo no Algarve às margens do oceano, onde fundou a "Escola de Sagres", onde recebia a sábios (filósofos), cartógrafos, astrônomos e astrólogos, tudo com o propósito de viabilizar aquela exploração marítima. Foi ali que se acumulou todo o conhecimento que levou à Era das Navegações.

A primeira missão exploratória planejada na Escola de Sagres, no entanto, por um propósito estratégico, não visou alcançar às terras árabes (objetivo das Cruzadas), mas a terras católicas então pertences ao reino espanhol de Castela. Em 1.425 tentou-se a tomada das Ilhas Canárias, consideradas um ponto estratégico para acessar as opulentes terras do rei Mussa Mali. Tais intentos fracassaram por mais de 10 anos, sem que as Canárias jamais tivessem sido conquistadas pelos portugueses. No entanto, em meio a este período de tentativas, as expedições descobriram e ocuparam os até então inabitados Arquipélago de Açores e Ilha da Madeira, iniciando uma era de aventuras náuticas pelas águas turbulentas do Oceano Atlântico, as quais exigiam conhecimentos e capacidade de navegação muito mais complexos do que os utilizados nas águas relativamente mais tranquilas do Mar Mediterrâneo. Além de que exigia uma coragem diferenciada para desbravar o desconhecido e assumir riscos potencialmente mortais.

Sem conseguir tomar as Ilhas Canárias, as embarcações foram enviadas à temida e desértica costa africana, rumando aos limites do mundo então conhecido, até onde se acreditava haver barreiras intransponíveis. Inicialmente, a mais difícil barreira a ser superada era o cabo Bojador, ou "Cabo do Medo". Este obstáculo natural, no Saara Ocidental, era composto por correntes que depois deste ponto se invertiam, com ventos alísios soprando de nordeste o ano inteiro, onde cascatas de areia rubras se desprendiam do penhasco rochoso, onde o mar às vezes "fervia", envolto por brumas de tempestades de areia sopradas pelo deserto sobre perigosos recifes de arestas aguçadas, onde o nível do mar era tão baixo que a 5 quilômetros da costa a profundidade média era de apenas 2 metros.

Lendas afirmavam que a partir dali era a "tórrida zona", onde o fervor do sol deixava a todos tão negros que queimavam (interpretação de uma visão do inferno bíblico na Terra). Foram necessárias 15 expedições entre 1.424 e 1.434 para que tal barreira fosse suplantada, quando o navegador Gil Eanes, com uma embarcação mais modesta, uma barcha, manobrou para o ocidente, arriscando-se em alto-mar, e após um dia inteiro de navegação sem ver a costa, dobrou para sudeste e descobriu haver superado ao cabo Bojador, deparando-se com uma baía plácida de águas calmas. No ano seguinte, regressou com uma embarcação maior e repetiu o feito, avançando ainda duzentos quilômetros mais ao sul, onde desembarcaram e se depararam com pegadas humanas e de camelos.

Em 1.436, Afonso Gonçalves Baldaia, comandando uma nova expedição, desceria um pouco mais até a Punta Durnford. Ainda faltavam 800 quilômetros e 8 anos de exploração para que Portugal alcançasse ao rio Senegal. Nesta expedição, dois jovens soldados - Heitor Homem e Diogo Lopes de Almeida - foram enviados pelo capitão a cavalo para explorar as terras desérticas e avistaram um grupo de 19 nômades, aos quais tentaram, sem sucesso, capturar.

A partir de 1.437, uma fracassada tentativa de conquistar Tânger, no Marrocos, levou à captura e posteriormente à morte de um dos príncipes portugueses, e causou uma instabilidade política que fez com que as aventuras marítimas pelo Oceano Atlântico viessem a ficar suspensas por anos. Durante este período sem navegações a pontos distantes, a Escola de Sagres aperfeiçoou seus estudos náuticos teóricos e desenvolveu um novo tipo de tecnologia de navegação que viria a revolucionar as viagens oceânicas e proporcionar um espantoso impulso à indústria naval de Portugal: a caravela de velas latinas, uma embarcação que atingia maiores velocidades e era mais facilmente manobrada.

Em 1.441, comandando a uma destas caravelas, Nuno Tristão conseguiu avançar ainda mais ao sul pela costa africana, chegando a um promontório resplandecente de alvura, o qual batizou como Cabo Branco. No mesmo ano, outra expedição, comandada por Antão Gonçalves, capturou dois nativos azenegues (berberes islamizados) que lhes ensinaram "os caminhos da África", o que acelerou à capacidade exploratória portuguesa do continente.

Em paralelo, a pedido de Dom Henrique, em dezembro de 1.442 o papa Eugênio IV assinou uma bula de autorização a Portugal para "fazer a guerra contra os infiéis, tirar-lhes as terras e escravizá-los", estendendo a cruzada por levar a "palavra do Senhor" a terras cada vez mais distantes.

Entre 1.443 e 1.444, diversas expedições definiram relações de comércio e, em 1.444, novamente sob o comando de Nuno Tristão, enfim foi alcançada a foz do rio Senegal e a partir dali, já em 1.447, a região da Guiné, assim por eles então chamada: "a terra dos verdadeiros negros".

De acordo aos entrepostos comerciais a partir dali montados, Portugal foi batizando ao litoral africano como: Costa do Ouro, Costa do Marfim, Costa da Pimenta, e Costa dos Escravos, assim como do outro lado do oceano daria o nome de Costa do Brasil, em alusão ao pau-de-tinta que era o principal produto que viria a ser extraído de lá. Mas a escalada até que conseguisse expandir as suas navegações a cada uma destas costas foi gradual e paulatina.

Depois de 1.447, a resistência dos nativos e outras perturbações políticas internas impuseram uma nova pausa às viagens, desta vez tendo durado 8 anos. Até que em 1.453 houve a queda de Constantinopla, quando os turcos, liderados por um califa chamado Maomé II, invadiram e conquistaram a antiga capital do Império Romano do Oriente. Os árabes, então, concentraram o comércio com o Ocidente com os mercadores de Veneza, encarecendo o custo das mercadorias provenientes da Ásia. Os centros financeiros e comerciais de Gênova e Florença se voltaram então para financiar as navegações portuguesas, que foram retomadas em 1.455 com um nível de intensidade exploratória mais agressivo.

Tendo avançado cada vez mais ao sul pela costa africana num litoral que parecia ter uma inclinação tendendo para o leste, foram formadas especulações que pareciam bastante lógicas de que seria possível contornar aquelas terras em direção ao oriente. Foi com tais especulações, com a nova conjuntura política de domínio do Mediterrâneo, e com o interesse econômico específico pelas especiarias da Índia, que tinham um papel fundamental na economia da Europa (especialmente a pimenta e o cravo), que a aventura foi impulsionada de vez.

Naqueles tempos, como não havia condições de alimentar os rebanhos durante o inverno, a quase totalidade do gado era abatida em novembro e a carne mantida por vários meses sem refrigeração adequada, banhada em sal para mitigar seu apodrecimento. A pimenta, e em menor escala o cravo, eram imprescindíveis para deixar o sabor das conservas menos repulsivo na hora de serem ingeridas, por isso eram produtos que tinham um valor comercial tão diferenciado em tais tempos.

Como dito, em 1.455 as navegações de Portugal foram retomadas com influência ascendente dos banqueiros de Gênova e Florença, que se tornaram os principais financiadores das viagens oceânicas. A Coroa Portuguesa contratou então a três navegadores italianos, os genoveses Antonio Usodimare e Antonio de Noli, e o veneziano Alvise de Cadamosto, tendo os três sido os precursores dos também italianos Cristóvão Colombo, Giovanni Caboto e Américo Vespúcio, que teriam papel diferenciado no destino final de tais aventuras exploratórias pelo Atlântico.

Em 13 de novembro de 1.460, aos 64 anos de idade, o infante Dom Henrique faleceu em Sagres. Até então, apenas um terço da costa oeste africana havia sido desvendada por seus navegantes. Tal fato causou mais um período de interrupção das explorações oceânicas, que só vieram a ser retomadas posteriormente em 1.469, quando foi concedido a um rico mercador de Lisboa, Fernão Gomes, o direito de seguir explorando comercialmente a costa da África. Só então foi enfim dobrada a Costa das Palmas, onde hoje está a Libéria, tendo-se então acreditado, erroneamente, que estavam enfim a caminho de contornar a África rumo ao oriente. Mas não tardaram muito a descobrir que necessitariam continuar seguindo para o sul para explorar aquela costa, que se mostrava muito maior do que eles inicialmente imaginavam ser.

Em 1.474, um médico e astrônomo de Florença, de nome Paolo Toscanelli, enviou uma carta à corte portuguesa afirmando a existência de uma rota para a Índia bem mais curta do que um eventual contorno à África. Ele acreditava que a Ásia estava a 3.600 quilômetros a oeste das Ilhas Canárias, uma teoria prontamente descartada pelos astrônomos do então rei Dom João II.

Tal argumentação, no entanto, logo regressaria à pauta portuguesa quando, em 1.477, chegou de volta a Portugal um marinheiro genovês de nome Cristóvão Colombo, que havia passado anos envolvido com o tráfico de escravos na Fortaleza de São Jorge da Mina, castelo-feitoria português no Golfo da Guiné, em território onde hoje está Gana. Por lá, ele tinha tomado conhecimento sobre histórias de misteriosos troncos entalhados levados pelas correntezas que costumavam chegar aos Açores. Juntando a teoria de Toscanelli, as histórias destes troncos e seus estudos cartográficos, ele elaborou um plano para chegar à Índia pela rota do ocidente, obtendo uma audiência em 1.484 para apresentá-lo a Dom João II. Entretanto, os preparativos portugueses para uma nova expedição tentando contornar a África já tinham se iniciado, e os planos de Colombo foram postos de lado.

Esta nova expedição alcançou o Congo em 1.483, visitado pela primeira vez pelo navegador Diogo Cão, e ali deu início a intensas relações comerciais e políticas. O Congo era um reino altamente centralizado, cuja capital, Mbanza, contava com uma população de 60 mil habitantes, o que a tornava do mesmo tamanho, mais ou menos, do que tinha à época a capital portuguesa, Lisboa, a qual era maior do que Londres, que tinha cerca de 50 mil habitantes naquela época. O rei do Congo, Nzinga a Nkuwu, converteu-se ao catolicismo e mudou seu nome para João I. Tais fatores ampliaram o foco dos interesses portugueses sobre a África, afastando a pré-disposição para outras metas que não aquela.

Em agosto de 1.487 partiu de Portugal uma expedição, esta comandada por Bartolomeu Dias, que em outubro daquele ano alcançou ao ponto mais distante até então alcançado por Diogo Cão, um ponto aonde o litoral africano voltava a ficar desértico. Nos últimos dias daquele ano a expedição acabou sendo atingida por uma forte tempestade, a qual durou duas semanas e afastou as caravelas da costa e direcionou-as para o sul. Quando a tormenta passou, Dias navegou para leste buscando o litoral, mas não o encontrou. Dirigiu-se então para norte, e após navegar por 800 quilômetros avistou altas montanhas. Como a costa ali seguia para nordeste, deduziu que havia contornado a África sem vê-la.

Em fevereiro de 1.488, na altura de Great Fish River, sua tripulação se amotinou pelo cansaço e pelas deterioradas condições em que viajavam, e ele foi forçado a regressar. Em dezembro daquele ano, 16 meses após partir, chegou de regresso a Portugal com a notícia de que havia alcançado dar a "volta à África". Esta notícia enterrou de vez as chances de Portugal financiar uma expedição de Colombo para tentar alcançar à Índia pelo oeste. Foi então, a partir desta notícia, que Cristóvão Colombo rumou para a Espanha para buscar financiamento para seus planos junto ao casal real Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

Havia uma grande complexidade por trás dos financiamentos econômicos destas "aventuras" exploratórias. Aos que embarcavam na navegação oceânica, a coroa portuguesa adiantava um ano inteiro de salários aos que fossem casados, e seis meses aos que fossem solteiros, para a sobrevivência de suas famílias, além de lhes ser concedido um percentual do que fosse conquistado nas viagens. Para os navegantes aventureiros, era uma empreitada altamente atrativa do ponto de vista econômico, pois permitia, a todos aqueles que sobrevivessem a elas, obter ascensão social. Entretanto, dois em cada três homens que embarcavam nestas aventuras não regressavam com vida.

Devido às limitações na capacidade de financiamento da Coroa Portuguesa, as viagens de Portugal pelo Oceano Atlântico voltaram a ficar suspensas entre 1.488 e 1.497, consideradas muito dispendiosas para os cofres da corte. Foi o rei Dom Manoel I quem decidiu retomá-las, impelido pelo feito de Cristóvão Colombo em 1.492 de - a serviço da família real de Aragão e Castela - ter encontrado terras a oeste do Atlântico, que até o dia de sua morte ele acreditou se tratar da Índia. Tais terras estavam, conforme havia afirmado Toscanelli, a 33 dias de navegação a oeste das Ilhas Canárias. Um erro de interpretação que levou, anos depois, que viessem a dizer sobre Colombo: zarpou sem saber para onde estava indo, aportou sem saber aonde tinha chegado, e regressou sem saber explicar aonde havia estado.

Curiosamente, a retomada das viagens de Portugal em 1.497 acontecem três anos após a assinatura de um pilar político fundamental entre portugueses e espanhóis que marcaria os rumos da história a partir de então. Em 7 de junho de 1.494, representantes diplomáticos de Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas (nome da cidade no norte da Espanha onde o acordo foi fechado): os portugueses ficavam com a posse de todas as novas terras no Oceano Atlântico que estivessem a 370 léguas a oeste de Cabo Verde, e a partir desta linha imaginária as posses seriam espanholas. Até onde se sabe pelas fontes oficiais, o principal objetivo de Portugal neste acordo era o de assegurar a soberania oceânica sobre a área necessária para a realização da "volta do mar" dada por Bartolomeu Dias, a manobra náutica necessária para se cruzar o Cabo da Boa Esperança e contornar a África rumo à Índia.

Em 1.498 o navegador Vasco da Gama fez o contorno da África e em março chegou a Sofala, onde hoje é o território de Moçambique, uma terra também rica em ouro, onde ficava naquela época o último porto ao qual chegavam os navegadores árabes e hindus que desciam a costa leste africana a partir da Ásia. Depois deste ponto do litoral, as viagens ao sul pelo oceano também lhes era um tabu. Daquele ponto até a Índia, Vasco da Gama só precisou seguir as rotas de navegação que árabes e hindus já dominavam, tendo, em maio de 1.498, enfim aportado na Ásia.

Ele se apresentou ao Samorim ("senhor do mar") de Calicute - o soberano hindu - como representante de um rei muito rico e poderoso. Entretanto, após a desgastante viagem pelos mares turbulentos, aportava em duas embarcações pequenas e mal aparelhadas, castigadas pelas muitas semanas no mar. Sem que Vasco tivesse muito a oferecer, o Samorim desdenhou de presentes tão simplórios e os ignorou. Ofendido, o capitão português retornou às suas embarcações e fez soar seus canhões contra a cidade indiana ao levantar as âncoras e partir.

Em 10 de julho de 1.499, foi Nicolau Coelho o primeiro a aportar em Lisboa com a notícia de que era viável a viagem à Índia. O rei Dom Manoel I esperou pelo regresso de Vasco da Gama, e ao ouvir o seu relato, imediatamente decidiu enviar, o mais rapidamente possível, uma frota poderosa em armas e cavaleiros portugueses, e repleta de presentes que pudessem provar aos "Senhores das Índias" o tamanho do poder do rei português.

Em 8 de março de 1.500, oito meses após o regresso da expedição de Vasco da Gama para Portugal, partiu do porto da praia do Restelo, junto ao rio Tejo, a armada de Pedro Álvares Cabral, que era um fidalgo ("filho de algo") e seguia como um emissário diplomático para lidar com o Samorim. O capitão tinha então 32 anos, e sua armada era constituída por duas divisões: a primeira composta por cinco naus, duas caravelas, uma nau mercante e uma naveta de mantimentos, junto à nau capitânia e à sota-capitânia, partindo para Calicute com a missão de estabelecer relações comerciais com o Samorim e fundar uma feitoria; e uma segunda divisão, constituída por uma nau e uma caravela, capitaneada pelo experiente navegador Bartolomeu Dias, que pararia no meio do caminho na cidade de Sofala, onde hoje está Moçambique (na costa leste da África, voltada para o Oceano Índico) para ali instalar uma feitoria naquela região onde havia uma rica mina de ouro, obtendo através de seus canhões a rendição do porto mais importante da África oriental - Kilwa - que controlava todo o comércio de ouro do rico reino existente na região onde hoje é o Zimbabwe. A missão da expedição era obter - pela diplomacia ou pelas armas - o monopólio do comércio de pimenta e canela que, até então, era mantido pelos mercadores árabes.

Na nau capitânia viajavam 7 soldados da guarda pessoal do capitão, 80 marinheiros, 70 soldados, e 33 outros passageiros, sendo 7 serviçais, 2 degredados condenados, 8 frades franciscanos e 8 intérpretes (prisioneiros capturados em viagens anteriores). Na nau soto-capitânia viajavam 160 homens, comandados pelo espanhol Sancho de Tovar. As demais naus levavam cerca de 150 homens cada uma. Na nau de mantimentos viajaram cerca de 80 homens, e as caravelas abrigavam cerca de 50 homens cada uma. Todas as embarcações eram comandadas por "Cavaleiros da Ordem de Cristo", a ordem remanescente da "Ordem dos Cavaleiros Templários", fundada em 1.120 durante as Cruzadas e extinta em 1.312 por ordem do papa Clemente V.

Era a maior e mais poderosa frota já enviada para singrar o Oceano Atlântico, reunindo cerca de 1.500 homens a bordo, que representavam 2,5% do total da população de Lisboa. A frota era mais imponente do que a da segunda viagem de Colombo à América em 1.493, a qual, embora tivesse 17 navios, levava cerca de 1.200 tripulantes.

No diário de bordo da viagem feita por Vasco da Gama - escrito por um marinheiro de nome Álvaro Velho - há a descrição da manobra que ficou batizada como "a volta do mar", uma estratégia derivada das conversações de Vasco com o navegante Bartolomeu Dias, a qual permitiu-o vencer aquele que os marinheiros chamavam de Cabo das Tormentas, e que o rei português Dom João II batizou como Cabo da Boa Esperança. A manobra consistia em se afastar da costa africana ao passar pelas ilhas de Cabo Verde, rumando a sudoeste para dentro do Oceano Atlântico, para assim contornar às enervantes calmarias do Golfo da Guiné, com suas correntes contrárias e seu calor insalubre.

Está anotado neste diário de bordo da viagem de Vasco da Gama com a data de 22 de agosto de 1.497: quando a armada se encontrava distante do litoral da África, "achamos muitas aves feitas como garções, e quando veio a noite elas tiravam contra o sul-sudeste muito rijas, como aves que iam para a terra". Os portugueses já tinham bons sinais de que havia terras para os lados do que viria a ser descoberto como o litoral do Brasil. Tal manuscrito viajou guardado num baú dentro da cabine de comando de Pedro Álvares Cabral em 1.500.

Além das descrições de possíveis terras para o lado ocidental, chama a atenção que a esquadra de Cabral passou direto por Cabo Verde, sem parar nestas ilhas para renovar seu estoque de água, como faziam todas as expedições portuguesas que desciam pela costa africana, dando sinal de que tinham planos de fazer esta imprescindível renovação de estoque em alguma outra parada. No entanto, não há nenhum registro oficial de quais eram efetivamente os planos de navegação da esquadra.

A viagem passou pelos costumeiros momentos de dificuldade ao se deparar com uma tempestade na qual, duas semanas após a partida, uma das naus desapareceu ("comeu-a o mar"). O que é fato registrado é que em 22 de abril daquele ano a expedição chegou à costa do Brasil, tendo ancorado em frente ao Monte Paschoal, no litoral da Bahia, 44 dias após ter zarpado de Lisboa.

Nenhuma outra expedição registrou em tanta riqueza de detalhes o impacto deste processo de reencontro das duas frentes de dispersão da humanidade que tinham deixado a África e se espalhado por todo o planeta em direções opostas. O primeiro encontro com os nativos foi na manhã seguinte à ancoragem, em 23 de abril. Foram enviados à terra o mais experiente dos navegadores da expedição, Nicolau Coelho, junto ao navegador judeu Gaspar da Gama (capturado por Vasco na expedição anterior e utilizado como intérprete português nas viagens à Índia), além de um grumete da Guiné e a um escravo de Angola. Era, portanto, um grupo capaz de se comunicar em uma grande diversidade dos idiomas falados na África e na Índia. Entretanto, nenhum deles conseguiu se comunicar com os primeiros homens encontrados na praia, que para a surpresa deles andavam todos nus, sem utilizar nenhuma forma de vestimentas.

A expedição então zarpou e navegou para o norte dali, onde aportou numa baía que veio a ser batizada como Cabrália, onde Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias foram encarregados de comandar um desembarque para obter água e alimentos frescos. Em cada ida à praia, eram feitos escambos com os nativos. O objeto que mais chamou a atenção dos nativos e virou o alvo principal para escambo eram os machados de ferro. Com seus machados de pedra, aqueles povos levavam três horas para derrubar uma árvore cujos machados de metal eram capazes de derrubar em quinze minutos. A novidade foi fascinante para eles!

Este primeiro contato entre aquelas duas pontas havia milênios perdidas da humanidade foi registrada em carta escrita por Pero Vaz de Caminha, ainda que ele não fosse o escrivão oficial daquela expedição. Eis alguns recortes selecionados desta longa descrição enviada ao rei de Portugal: "A feição deles é serem pardos, maneira d'avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma coisa cobrir nem mostrar suas vergonhas. E estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto. Traziam ambos os beiços de baixo furados e metido por eles um osso branco de comprimento duma mão e de grossura dum fuso d'algodão e agudo na ponta como furador. Metem-no pela parte de dentro do beiço e em tal maneira o trazem ali encaixado, que lhes não dá paixão nem lhes estorva a fala, nem comer, nem beber. Os cabelos seus são corredios e andavam tosquiados de tosquia alta mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma maneira de cabeleira de penas d'ave amarela (...) Passou-se então além do rio Diego Dias, que é homem gracioso e de prazer, e levou consigo um gaiteiro nosso, com sua gaita, e meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos. E eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem, ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real (hoje: salto mortal), de que se eles espantavam e riam e folgavam muito (...) Parece-me gente de tal inocência que, se nós os entendêssemos e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles não têm nem entendem a nenhuma crença, segundo parece (...) Assim, senhor, que a inocência desta gente é tal, que a d'Adão não seria mais quanta em vergonha (...) o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente".

Como os nativos que encontraram nas novas terras não dominavam métodos de escrita e impressão, não ficou para a história praticamente nenhum dos sentimentos e impressões que estes tiveram nestes primeiros contatos com os europeus que chegavam em "montanhas que se moviam pelas águas". Os indígenas tupis passaram a chamar os portugueses de "caraíbas", que na sua tradição oral também era o nome dos profetas que lideraram suas grandes migrações continentais no passado. É um sinal de que os viram como entes quase místicos poderosos. A única referência que sobreviveu ao tempo pela tradição oral é a de que aos indígenas de imediato não lhes agradou os odores corporais daqueles viajantes, que estavam havia muito tempo reclusos nas embarcações sem qualquer acesso a qualquer forma de higiene.

No dia 2 de maio, após 10 dias no litoral do Brasil, a expedição portuguesa se preparou para partir. Em terra, para conhecer mais dos hábitos dos nativos, foram deixados dois degredados condenados em Portugal por assassinato, um dos quais chamado Afonso Ribeiro (ambos foram resgatados pela expedição de Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio, que ali chegaria em 1.502). Junto a eles ficaram alguns grumetes que desertaram e fugiram para viver entre os nativos.

Então a naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de Lemos, foi enviada de volta a Portugal para anunciar o descobrimento de novas terras, levando nela a um nativo tupiniquim, duas araras, toras de pau-brasil, arco e flechas, cocares, bodoques e alguns minerais. Todas as demais embarcações seguiram para Calicute.

Três dias depois, a expedição enfrentou uma forte tormenta ao cruzar o Cabo da Boa Esperança, quando "as ondas se levantavam tão altas que parecia que as punham nas nuvens e depois no abismo (..) o ruído que fazia o madeirame era medonho". Esta tempestade afundou uma caravela e três naus da expedição, matando a quase 400 navegantes, entre os quais Bartolomeu Dias.

Foi só em fins de julho que as cinco embarcações restantes da esquadra chegaram a Sofala. Ainda pararam depois em Melinde, onde conseguiram um navegador hindu para guiá-los até a Índia, onde só aportaram em 13 de setembro, 6 meses e 4 dias após deixar Lisboa. Com esta chegada, aquela expedição se tornava a primeira na história da humanidade a aportar em 4 continentes distintos do Planeta Terra: Europa, África, América e Ásia.

Ao chegarem, presentearam ao soberano hindu com moedas de ouro e prata, e durante três meses articularam negociações comerciais, interrompidas por um ataque bélico árabe-hindu em 16 de dezembro que matou mais de 50 portugueses, entre eles Pero Vaz de Caminha.

Após ser atacada, durante quatro dias a esquadra descarregou seus canhões sobre Calicute, causando muitas mortes e muito dano à cidade. Zarpou em 20 de dezembro, tendo perdido a mais uma embarcação no retorno, até que em junho de 1.501 chegou à foz do rio Senegal (o "rio do ouro"), onde lá encontraria, por coincidência, a três embarcações mandadas pelo rei Dom Manoel que formavam uma frota liderada por Gonçalo Coelho, na qual estava Américo Vespúcio, navegador florentino que antes havia estado em uma expedição espanhola à América Central.

Após as notícias chegadas a Portugal pela naveta de mantimentos comandada por Gaspar de Lemos, esta nova frota tinha sido enviada para averiguar as novas terras onde havia estado o próprio Cabral (o Brasil). Foi somente em 23 de junho de 1.501 que a primeira embarcação da esquadra cabralina chegou a Lisboa. Aquela com Cabral a bordo só ancoraria por lá em 21 de julho - 1 ano e 4,5 meses após ter partido -. Tinham naufragado 9 das 13 embarcações que originalmente zarparam, tendo morrido mais de mil tripulantes da frota, dois terços daqueles que tinham partido de Lisboa.

Nos dias nos quais as frotas estiveram ancoradas juntas na foz do rio Senegal, na baía de Bezeguiche (hoje chamada Dakar), Vespúcio ouviu todas as descrições da tripulação de Cabral sobre o litoral do Brasil, o mesmo que ele veio a percorrer logo a seguir desde o que viria a ser séculos depois o estado do Rio Grande do Norte até a região de Cananeia, que viria a fazer parte do estado de São Paulo.

Após estas experiências, Américo Vespúcio regressou a Portugal em 1.502 e escreveu uma narrativa para Francesco de Medici intitulada "Mundus Novus", na qual defendia que as terras descobertas eram parte de um novo continente, não sendo nem o Japão nem a Índia, como presumiu Colombo. A carta virou um 'best seller' na Europa, publicada em seis diferentes idiomas, e graças a seu sucesso, este novo continente ganhou o nome de América.

A carta se tornou sucesso de vendas por causa dos exageros com que destacou ao canibalismo e à falta de pudor dos nativos daquele mundo novo. Ela nos permite imaginar o quão impactante e deslumbrante foi a experiência transformadora de entrar em contato com uma realidade tão diferente. Pelas próprias palavras de Vespúcio: "algumas vezes me extasiei com os odores das árvores e das flores, e com os sabores dessas frutas e raízes, tanto que pensava comigo estar perto do paraíso terrestre. E o que direi da quantidade de pássaros, das cores das suas plumagens e de seus cantos, quantos são e de quanta beleza".

Aquele "mundo novo" a qual chegaram os europeus, as terras onde hoje está o Brasil, descrito no folhetim que foi sucesso de vendas narrado por Vespúcio, era habitado por nativos cuja história de seus ancestrais era bem antiga.


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