GOMES, Laurentino. Escravidão - Volume I. Globo Livros, 2019. (436 páginas)
GOMES, Laurentino. Escravidão - Volume II. Globo Livros, 2021. (462 páginas)
GOMES, Laurentino. Escravidão - Volume III. Globo Livros, 2022. (533 páginas)
- A escravidão existiu desde o início da história da humanidade até o Século XX. As chagas da escravidão já estavam presentes nos mais antigos registros escritos da humanidade. Em documentos antiquíssimos como o livro do Gênesis, no Antigo Testamento da Bíblia, é narrada a venda como escravo de José, um dos filhos de Jacó, vendido por iniciativa dos próprios irmãos. O Código de Hamurabi, escrito na Mesopotâmia por volta de 1.772 a.C., e considerado o primeiro conjunto de leis da história humana, dividia a sociedade em três grupos: homens livres proprietários de terras, funcionários públicos, e escravos. O uso de mão de obra cativa foi alicerce de todas as antigas civilizações, incluindo a egípcio, a grega e a romana, e era um dos principais negócios dos vikings, na Escandinávia. Existia em povos pré-colombianos nas Américas, como incas e aztecas. E também assegurou a prosperidade de Gênova, Florença e Veneza, no auge do Renascimento. John Locke, pensador humanista responsável pelo conceito de liberdade na história ocidental, era acionista da Royal African Company, criada com o único propósito de traficar escravos. Não há uma única região do planeta que não tenha abrigado em algum momento de sua história a escravidão.
- Escravo, em português; esclave, em francês; schiavo, em italiano; sklave, em alemão; slave, em inglês; são todas palavras derivadas da palavra em latim slavus que, por sua vez, servia para designar os eslavos, habitantes da região dos Bálcãs, do Leste da Europa e sul da Rússia, às margens do Mar Negro, região que foi a grande fornecedora de mão de obra cativa para o Oriente Médio e o Mediterrâneo até o Século XVIII.
- No auge da civilização grega, presume-se que 70 mil dos 155 mil habitantes da cidade de Atenas eram cativos. Presume-se que haveria meio milhão de escravos em Roma na época na qual Jesus Cristo viveu na Palestina. Por volta de 740 d.C., cerca de cem anos após a morte do profeta Maomé, uma série espetacular de conquistas muçulmanas criou um extenso domínio intercontinental que ia de onde hoje é o Paquistão até onde é Marrocos, passando por todo o Oriente Médio, pelo sul de França, por Espanha e Portugal, e ocupando todo o norte da África, tendo a escravidão também sido a base de expansão do islã. Em todas estas histórias houve legiões de cativos sendo utilizados em trabalhos domésticos, na agricultura, como soldados, funcionários burocráticos ou como eunucos guardiões de haréns. Os eunucos eram homens privados de sua virilidade mediante a castração de seus órgãos genitais ainda na adolescência, para que perdessem o apetite sexual. Esta prática existiu em China, Índia, Pérsia, e é citada em vários trechos da Bíblia. Na Dinastia Ming havia 100 mil eunucos na China, 70% dos quais servindo no Palácio Imperial. A incapacidade de que se reproduzissem, fazia com que imperadores e reis lhes confiassem muitas vezes altos cargos públicos, já que nunca teriam herdeiros para reivindicar patrimônio e status social. Naturalmente, os índices de mortalidade dos processos de castração, com remoção total ou do pênis ou dos testículos, eram altíssimos, com cerca de 90% dos que passavam por este bárbaro processo cirúrgico rudimentar, morrendo imediatamente ou alguns dias após a operação.
- Em 1.418 d.C. uma bula do Papa deu aval às navegações portuguesas, dando-lhe o status de "Novas Cruzadas", desta vez contra os mouros e os infiéis da África. O Reino de Portugal era considerado tardio, tendo sido criado no curso de uma Cruzada contra os Mouros na Península Ibérica realizada tão só 300 anos antes. A "Nova Cruzada" tinha a intenção de alcançar e socorrer a um lendário reino cristão isolado na Região das Etiópias, o qual seria comandado pelo Preste João (preste = presbítero). Esta missão consumiu o imaginário português por décadas, dando um verniz missionário a empreitadas cujos reais objetivos eram militares, políticos e econômicos. Cada avanço geográfico financiou o passo seguinte durante mais de um século.
- As caravelas e naus portuguesas cruzavam os mares ostentando em suas velas a Cruz da Ordem de Cristo, herdeira da instituição criada para a realização das Cruzadas de reconquista de Jerusalém, a Ordem dos Cavaleiros Templários.
- Ao amanhecer de 8 de agosto de 1.444 d.C., os moradores de Lagos - um pequeno vilarejo murado na região do Algarve, em Portugal - foram despertados pelas notícias recém-chegadas do mar de que meia dúzia de caravelas estavam ancoradas no cais ao pé da ladeira de casinhas brancas protegidas pelos canhões da antiga fortaleza, com uma carga inusitada de 235 homens, mulheres e crianças, todos escravos que foram ali separados de suas famílias e arrematados em leilão. O primeiro lote, de 46 escravos, ficou reservado ao homem de chapéu de abas largas, botas de cano comprido até os joelhos, e que montado a cavalo supervisionava toda a operação. Era o infante Dom Henrique, quinto filho do rei Dom João I, já falecido, e irmão do regente do trono, Dom Pedro I. A cena foi registrada por Gomes Eanes de Azurara, filho de padre, cronista real, cavaleiro da Ordem de Cristo, guarda-mor dos arquivos da Torre do Tombo, biógrafo de Dom Henrique, e autor dos relatos referentes às primeiras navegações portuguesas pela costa da África. Estes primeiros escravos a aportarem em Portugal eram azenegues, uma das etnias do povo berbere, habitantes da parte ocidental do Deserto do Saara.
- Em 1.446 d.C. uma expedição liderada por Nuno Tristão terminou em desastre depois de seus 21 tripulantes mais 5 meninos aprendizes arriscaram-se em subir um rio em busca de escravos. Foram emboscados por uma dúzia de canoas, só os cinco aprendizes sobreviveram, ficando a deriva e sendo resgatados apenas nove semanas depois. Revezes como este fizeram que a partir de 1448 Portugal mudasse sua estratégia, deixando de caçar e capturar, e assim correndo risco de retaliações, e passando a comprá-los de mercadores de escravos já estabelecidos na costa da África, em especial com relações construídas com alguns dos chefes mais poderosos da Guiné, que capturavam seus inimigos para vendê-los aos portugueses.
- Em 1.460 d.C., ano da morte do infante Dom Henrique, os portugueses já conheciam relativamente bem cerca de 3,5 mil quilômetros da costa da África, até a altura de onde hoje está Serra Leoa. Por volta de 1.430 d.C. tinham explorado as Ilhas Canárias e o Arquipélago dos Açores. Em 1440, estavam colonizando a Ilha da Madeira, descoberta em 1419. Em 1448 construíram o Forte de Arquim, ao sul do Cabo Branco, região onde hoje fica a Mauritânia, o primeiro entreposto importante do comércio de escravos de Portugal. O maior de todos os feitos foi a ultrapassagem do Cabo Bodajor, na costa do Deserto do Saara Ocidental, um lugar mítico na imaginação dos marinheiros até o início do Século XV, por suas ondas fortíssimas e seus baixios traiçoeiros, com ventos que permitiam a navegação rumo ao sul, mas não o retorno em sentido oposto, tendo se tornado uma barreira psicológica para os europeus. Em 1291, os irmãos genoveses Ugolino e Vadino Vivaldi o cruzaram numa primeira tentativa de encontrar o caminho às Índias, mas ninguém nunca mais teve notícia deles. A barreira só foi vencida em 1434 pelo português Gil Eanes, o primeiro a ultrapassar o Cabo Badajor e voltar são e salvo para contar a história. O segredo para o cruzar era não resistir às fortes correntes que arremessavam os barcos ao sul, deixando a embarcação se afastar do continente até alto-mar, onde era possível encontrar ventos e correntes marinhas fluindo em sentido oposto, rumo ao norte.
- O plano português de contornar à África para chegar à Índia ganhou corpo a partir de 1453, quando os turcos-otomanos ocuparam Constantinopla, pondo fim ao Império Romano do Oriente, e assumindo o monopólio do comércio de caravanas de mercadores.
- Entre 1456 e 1460, os portugueses encontraram as 10 ilhas do Arquipélago de Cabo Verde, até então completamente desabitadas. Nos vinte anos seguintes, chegaram ao Golfo da Guiné e às Ilhas de São Tomé e Príncipe, até por fim cruzarem pela primeira vez à Linha do Equador. O navegador Diogo Cão foi mais longe, chegando ao Congo e em Angola. Em 1488, Bartolomeu Dias circundou o Cabo da Boa Esperança (então chamado Cabo das Tormentas), que só veio a ser efetivamente superado primeiro em 1498 por Vasco da Gama, e depois em 1500 por Pedro Álvares Cabral, ambos tendo chegado à Índia. Nas décadas seguintes, os navegadores portugueses alcançaram a China, a Indonésia e o Japão.
- Enquanto não conseguiram chegar à Índia, o que financiou a expansão das expedições portuguesas foi o tráfego de pessoas escravizadas na África. Em 1486, o navegador João Afonso de Aveiro foi o primeiro a subir o Rio Benim, logo chamado de "Rio dos Escravos". Começava um tráfico restrito à costa africana: os portugueses compravam escravos no Golfo de Benim e os revendiam aos próprios africanos na Costa do Ouro - no Senegal e no Niger - em troca deste metal precioso tão cobiçado na Europa. Com este propósito foi erguido em 1482 o Castelo de São Jorge da Mina, que se tornou o principal entreposto de estoque de escravizados enquanto estes não eram transportados para serem negociados. Um terço dos escravos comprados pelos portugueses no fim do Século XV era revendido a mineradores africanos, cujas minas foram um segredo que ficou bem guardado durante algumas décadas, até os portugueses descobrirem suas localizações.
- O segredo para contornar o Cabo da Boa Esperança - que só os portugueses conheciam até o início do Século XVI - era navegar rumo a sudoeste, em direção ao Brasil, e na altura do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, mudar a rota em direção ao sudeste, rumo à África do Sul. Esta era a chamada "Volta Grande", que a tecnologia de navegação portuguesa dominou com maestria.
- Lisboa era uma cidade infestada de espiões europeus, todos interessados em desvendar os segredos tecnológicos por trás das navegações. O rei Dom Manuel I proibia, sob ameaça de pena de morte, a divulgação de relatos de viagens, cartas náuticas, mapas ou quaisquer outros documentos.
- O Oceano Atlântico possui duas correntes e ventos que criaram dois eixos de navegação do tráfico de escravizados. O primeiro, dominado pelos portugueses, saía um pouco mais ao sul da Linha do Equador, das regiões onde estão Benim, Nigéria, os dois Congos e Angola, levando direto ao litoral brasileiro, chegando a Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, com as correntes de volta levando direto à região centro-sul do litoral africano. O segundo, dominado por espanhóis, ingleses, franceses e holandeses, saía de regiões acima da Linha do Equador, entre Gana e Senegal, levando diretamente à região do Caribe, cujas correntes de retorno passam primeiro pela Europa e só depois pela África. A primeira rota foi o trajeto de Pedro Álvares Cabral em 1500 que aportou no Brasil, e a segunda o de Cristóvão Colombo em 1492 e nos anos seguintes que aportaram nas ilhas da América Central.
- A chegada de Portugal à Índia abriu um mercado altamente lucrativo de porcelanas, sedas e especiarias como cravo, canela, pimenta, noz-moscada, gengibre, sândalo e almíscar, produtos cultivados em Índia, Ceilão, e especialmente nas Ilhas Ternate e Tidore, no Arquipélago das Molucas, hoje pertencente à Indonésia. Numa época em que não existia refrigeração, eram as especiarias aquilo que garantia a conservação dos alimentos e/ou disfarçava os maus odores destes. Era um comércio de lucros astronômicos: a viagem de Vasco da Gama em 1498 transportou mercadorias de volta à Europa que cobriram em 60 vezes o custo da expedição, a viagem do corsário inglês Francis Drake ao redor do mundo entre 1577 e 1580 gerou um lucro de 4.700% a seus investidores. E a Europa passou a obter estas especiarias mais baratas com Portugal do que lhe custava comprar aos mercadores muçulmanos que dominavam as rotas terrestres.
- Entre produtos vegetais comestíveis originados na África e espalhados pelo mundo através do comércio dos navios portugueses estão o dendê, o quiabo, o inhame, o sorgo, a banana da terra, o feijão fradinho, o milhete (também conhecido como painço), o tamarindo, o hibisco e a pimenta malagueta. Igualmente se origina na África a noz-de-cola, produto que séculos depois daria origem a refrigerantes gasosos como a Coca-Cola e a Pepsi-Cola.
- As razias, incursões rápidas visando saque, começaram nas zonas mais próximas do litoral da África entre 1520 e 1570, e progrediram rapidamente, cerca de trinta quilômetros a cada década, à medida que aumentava a demanda por cativos para além do Oceano Atlântico.
- Um dos principais motivos para que os portugueses não tenham sido bem-sucedidos com a escravização de indígenas no Brasil está no fato de que não havia redes internas de tráfico de escravos entre os povos indígenas para lhes oferecer cativos em larga escala. Na ocupação europeia da África nos Séculos XV e XVI, os europeus limitaram-se a ocupar os litorais do continente, estabelecendo feitorias, castelos e postos de compra e venda de escravizados que povos africanos capturavam e conduziam ao litoral para que fossem vendidos, o que deixava o processo muito menos custoso para os portugueses do que terem eles mesmos que fazer as incursões adentrando território, como era necessário para escravizar indígenas no Brasil.
- As principais razões da ocupação restrita na África era a resistência dos chefes locais em ceder território para estrangeiros, e o pavor das doenças epidemiológicas das moléstias tropicais. Por exemplo, entre 1575 e 1591, cerca de 1.700 europeus perderam a vida em Angola, sendo que só cerca de 400 em combates com os povos locais, os demais cerca de 1.300 morreram em decorrências de doenças tropicais.
-No Brasil, em 1574, os cativos chegados a África representavam apenas 7% da força de trabalho escravo nos engenhos, contra 93% de indígenas. Em 1591, eram 37%. Por volta de 1638 já compunham a totalidade, incluindo aos recém-chegados da África e os crioulos, como eram chamados os escravos descendentes de africanos nascidos no Brasil. A causa preponderante da preferência por escravizados africanos é que inexistia um mercado de escravos organizado na América pré-colombiana, ainda que houvesse escravidão em pequena escala entre os indígenas que viviam no território, que eram resultado de captura de prisioneiros em guerras intertribais. Na África já funcionavam, desde muitos séculos antes da chegada dos portugueses, centros fornecedores de cativos e rotas de transporte que cruzavam o Deserto do Saara em caravanas muçulmanas que cortavam o continente. Os escravizados eram levados aos portugueses, fazendo o processo ser muito menos custoso do que financiar operações para capturar indígenas na América.
- O historiador norte-americano Joseph Miller faz um cálculo assustador a respeito da mortalidade do tráfico de cativos: ainda na África, entre 40% e 45% dos escravizados morriam no trajeto entre as zonas de captura e o litoral; do restante, entre 10% e 15% pereciam durante o período em que ficavam à espera do embarque nos portos africanos; dos sobreviventes que embarcavam nos navios, outros 10% morreriam na travessia; por fim, mais 15% morreriam nos três primeiros anos de cativeiro. Traduzindo em números absolutos, ao longo de mais de 350 anos, entre 23 e 24 milhões de seres humanos teriam sido arrancados de suas famílias e comunidades no continente africano, e apenas 9 milhões teriam sobrevivido aos tormentos dos três primeiros anos de escravidão em seus ambientes de trabalho forçado.
- Os participantes africanos do tráfico de escravos incluíam príncipes e os mercadores mais ricos da África. A elite africana estava profundamente envolvida na comercialização de cativos. O tráfico humano de escravos era um grande negócio, que envolvia milhares de pessoas, incluindo agentes comerciais e contadores que faziam o controle contábil das transações, com toda uma estrutura de fornecimento de água e comida, abrangendo seguradoras, estaleiros, bancos de crédito, empresas de transporte, tripulações e estruturas de apoio logístico, com toda uma complicada estrutura burocrática.
- Os europeus tiveram que se adaptar ao padrão monetário peculiar da África, que utilizava conchas marinhas como moeda, em lugar de peças de metal ou papel. Uma delas era coletada nas praias de Angola sob monopólio do rei do Congo, Mbiki a Mpanzu (que para os portugueses era Dom Álvaro III).
- O coração político e econômico da África pulsava nas cabeceiras dos três mais importantes rios da região situada logo abaixo do Deserto do Saara: o Níger, o Gâmbia e o Senegal. Era o centro de gravidade da África Ocidental, dominando as artérias vitais de comércio e intercâmbio entre todos os povos das regiões costeiras a sul e a leste, assim como as famosas rotas das caravanas transaarianas que cruzavam o deserto em direção ao litoral norte, à borda do Mar Mediterrâneo, e em direção ao Sudão e ao Egito. Lá estiveram localizados os maiores estados medievais africanos: os Impérios de Gana (do Século VIII ao Século XIII), de Mali (do Século XIII ao Século XVII), de Songai (Séculos XV e XVI), e de Bornu (do Século XIV ao Século XIX). Há evidências arqueológicas de centros urbanos nesta região que remontam a cerca de 250 a.C.. Entretanto, eram estados que ocupavam áreas geográficas relativamente pequenas se comparadas aos impérios em Ásia, Europa e Américas pré-colombianas: o maior destes impérios, o Songai, abrangia uma área de menos de 1 milhão de quilômetros quadrados. Para efeito de comparação: o Império Romano chegou a ter 6,5 milhões de quilômetros quadrados, o Império Otomano teve 5,2 milhões, e o Império Inca chegou a ter 2,0 milhões.
- Por problemas de falta de herdeiro para a sucessão ao trono de Portugal, de 1580 a 1640 o reino foi governado da Espanha, de Madrid, pelo que ficou sendo chamado na história de União Ibérica. Foram três reis espanhóis - todos de nome Felipe – a terem governado Portugal neste período.
- Da União Ibérica, os portugueses herdaram um inimigo com quem se davam bem até então e tinham boas relações comerciais e diplomáticas, mas que tinham problemas políticos com a Espanha. Como consequência no Século XVII, uma nova potência atacou e ameaçou o domínio português no Oceano Atlântico: as Províncias Unidas, uma ambiciosa coligação de 7 pequenas nações Protestantes Calvinistas - Holanda, Zelândia, Utrecht, Frisia, Groninga, Guéldria e Overissel, as sete nações neerlandesas -. As guerras entre Neerlandeses e a União Ibérica foi travada no Atlântico Norte, na região de Flandres, nas costas da América e da África, e chegaram às regiões ocupadas por Portugal na Índia (em Goa), no Ceilão, na China (em Macau) e no Arquipélago das Molucas, na Indonésia. Na metade do século, as 7 Províncias dominavam uma área de mais ou menos um milhão de quilômetros quadrados (duas vezes o tamanho da Espanha) no litoral brasileiro, num trecho que no futuro seria partes dos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O território foi conquistado por uma frota de 67 navios equipados com 1.170 canhões e 7 mil soldados armados. Além disso, os neerlandeses impuseram um bloqueio na foz do Rio Tejo, em Portugal. Era uma guerra com fins religiosos (católicos contra protestantes) e naturalmente envolvendo também disputas e interesses econômicos. A paz só foi selada no Acordo de Haia, cidade da Holanda, em 1.661 d.C., e custou 25 toneladas de ouro aos cofres públicos de Portugal.
- Por volta de 1600, o número de pretos cativos no Brasil já era quatro vezes superior ao número de brancos descendentes de europeus. Dos 150 mil habitantes da colônia, 120 mil eram escravos, negros libertados ou indígenas, enquanto os descendentes de portugueses, brancos, somavam apenas 30 mil.
- A população de Salvador, então capital do Brasil, era de 14 mil habitantes em 1585, e ainda era de 40 mil habitantes em 1750. Um crescimento relativamente pequeno para um período de tempo tão longo.
- A "febre do ouro" mudou por completo a paisagem econômica e geográfica da América Portuguesa. Nos duzentos anos anteriores, a colonização por Portugal do território que viria a ser o Brasil se dera apenas ao longo do litoral. Entre as 16 vilas e cidades fundadas até então, só uma - São Paulo de Piratininga, de 1554 - estava localizada além da Serra do Mar. Entre 1700 e 1800 foram fundadas 49 vilas, a maioria no interior do continente. Só entre 1711 e 1714 foram criadas 7 novas vilas na região de serras e vales de Minas Gerais, entre elas a Vila Rica de Ouro Preto, descrita como "a cabeça de toda a América e, devido à opulência de suas riquezas, a mais poderosa gema de todo o Brasil". Entre 1700 e 1750, o Brasil respondeu sozinho pela metade da produção mundial de ouro, tendo garimpado entre 800 e 1.000 toneladas. A segunda boa notícia para os portugueses na mesma região foi a descoberta de diamantes, comunicada a Portugal em 1729. O marco desta transformação foi o Tratado de Madrid, assinado em 1750, que revogava o Tratado de Tordesilhas e reconhecia novas fronteiras.
- Com a “febre do ouro”, só de Portugal entre 500 e 800 mil pessoas mudaram-se para o Brasil em busca de obter fortuna com o ouro entre 1700 e 1800. Ao mesmo tempo, o tráfico de escravizados rumo a esta região mineira se acelerou intensamente, com cerca de 2 milhões de africanos de pele preta cruzando o Oceano Atlântico em estado de escravidão (em cem anos, foi mais do que o dobro dos duzentos anos anteriores). Até então, 60% dos escravos que chegavam ao Brasil eram das regiões de Angola e do Congo. A partir da descoberta de ouro, predominaram os escravos "mina", oriundos da faixa litorânea de Gana e da Nigéria, no Golfo de Benim.
- Aliada aos traficantes, uma nova elite militar africana surgiria a frente de estados predatórios que, apoiados por armas e recursos europeus, nasceram e firmaram com o propósito de lucrar com a guerra contra seus vizinhos, vendidos como prisioneiros para capitães de navios portugueses, ingleses, franceses, holandeses, dinamarqueses, alemães e norte-americanos. Assim floresceram os Reinos de Futa Jalom, na Alta Guiné, entre os atuais países de Senegal e Guiné-Bissau; Axante, cuja dinastia reinante sobreviveu até o Século XXI governando o interior de Gana; Daomé e Oió, entre as atuais República de Benim e Nigéria; e Cassanje e Luanda, em Angola. Todos eles alimentaram a engrenagem do tráfico, fornecendo escravos em troca de canhões, espingardas, chumbo, pólvora, tecidos, bebidas alcoólicas, rolos de fumo, barras de cobre e ferro, entre outras mercadorias.
- A partir do Século XVII, estimulada pelo crescimento do consumo de açúcar na Europa e pela expansão das fazendas de cana-de-açúcar no Brasil, o tráfico de escravos explodiu. A descoberta de ouro e diamantes no Brasil, e a expansão de outras culturas de cultivo, como algodão e tabaco, fizeram que se alcançassem patamares ainda mais elevados no Século XVIII. A partir de quando 85% de todas as viagens de navios negreiros aconteceu depois de 1700. O Rio de Janeiro foi o maior porto de recebimento de tráfico negreiro da história da humanidade, responsável sozinho pelo transporte de 1,5 milhão de escravos entre meados do Século XVI e 1852. Nove em cada dez expedições de tráfico negreiro eram organizadas no Brasil. Das viagens atracadas em Luanda, Angola, entre 1736 e 1770, 41% tinham saído do Rio de Janeiro, 22% de Pernambuco e 22% de Salvador, tendo, portanto, 85% sido organizadas no Brasil, e apenas 15% em Portugal. O tráfico negreiro no Brasil se divide em quatro períodos: o primeiro chamado Ciclo da Guiné, partindo de Senegal, Gâmbia e Guiné-Bissau, e passando por Cabo Verde; o segundo é o Ciclo do Congo e de Angola e persistiu até 1850, o terceiro foi o Ciclo da Costa da Mina (Nigéria, Benim e Togo) no Século XVIII. No Século XIX ainda houve o Ciclo de Moçambique.
- O principal fornecedor de escravos na Costa da Mina era o Reino de Ajudá (ou Hueda). Embora fosse um território minúsculo, com apenas 64 quilômetros de comprimento por 42 de largura, e menos de 100 mil habitantes, conseguia exportar 20 mil escravizados por ano. Entre 1700 e 1725, saíram de Ajudá mais de 400 mil escravizados, cerca de 40% daqueles que cruzaram o Oceano Atlântico neste período. O reino havia se consolidado como ponto final de inúmeras rotas de tráfico que chegavam do interior da África, onde eram vendidos escravizados oriundos de 30 diferentes grupos étnicos, transportados em caravanas muçulmanas chegadas de regiões tão longínquas quanto as fraldas do Deserto do Saara, 800 quilômetros ao norte, ou do interior da região onde hoje é o Sudão, a 1.600 quilômetros a oeste.
-Em 4 de março de 1727, os moradores de Savi, capital de Ajudá, foram acordados por tiros de canhões disparados por sentinelas que guardavam as entradas da cidade. O reino estava sendo invadido pelos exércitos de Agaja, soberano do Reino de Daomé. A invasão foi implacável e a devastação foi total, estima-se que tenha causado 5 mil mortes e cerca de 10 mil pessoas tenham sido escravizadas. Os soldados de Daomé eram particularmente hábeis no uso de mosquetes, armas de fogo fornecidas pelos traficantes europeus.
- O Reino de Daomé se tornou uma das peças centrais da lógica escravista. Centralizado, autocrático e militarizado mais do que qualquer outro estado africano, o Daomé tinha como rival apenas o Império Oió, seu vizinho iorubá situado onde atualmente fica a Nigéria, que o desafiara em campo de batalha inúmeras vezes nas três primeiras décadas do Século XIX. Conhecido como príncipe Gapê antes de subir ao trono, o rei Guezo era bisneto de Agaja, o conquistador de Ajudá, e governou de 1818 a 1858, sendo o mais longevo de todos os reis de Daomé. Sua chegada so poder se deu por um golpe de estado contra o irmão Abandozan. Seu pai, o rei Angolô, fora assassinado de forma misteriosa em 1797. Ele teria apontado Gapê como seu sucessor, sendo o príncipe ainda uma criança. A luta de sucessão levou à morte três príncipes - irmãos de Gapê - tendo Abandozan conseguido se impor belicamente sobre todos os demais pretendentes. Dezenas de pessoas da corte real foram eliminadas neste processo. Abandozan teria vendido a mãe de Gapê - Nã Agotimé - uma das esposas de seu pai Angolô, como escrava para o Brasil, tendo sido ela enviada para o Maranhão. Por desavenças sobre prestações de contas do tráfico escravo, Abandozan também mandou para a cadeia Francisco Félix que, supostamente nascido em Salvador, na Bahia, era o maior dentre os traficantes da África naquele momento. Na prisão, ele recebeu a visita de Gapê, supostamente interessado em identificar a localização de sua mãe no Brasil. Os dois formaram uma aliança em pacto de sangue, a partir da qual Francisco Félix foi libertado numa fuga facilitada por 60 soldados leais a Gapê, e a partir da qual o traficante alimentou o príncipe com armas que lhe permitiram dar o golpe sobre o irmão e ascender ao trono de Daomé. Em troca, Francisco Félix recebeu favores que fizeram dele "o maior traficante de escravos de todos os tempos", como o definiu Pierre Verger.
- A poligamia era um traço cultural muito forte na África. Reis e homens da nobreza tinham muitas esposas, o que resultava num grande número de filhos, e fazia com que todos fossem candidatos à sucessão após a morte do pai. Estas disputas de linhagem por poder estavam entre as causas da escravização, pois implicavam em conflitos armados, cujos derrotados e seus apoiadores tendiam a ser convertidos em cativos.
- Por volta de 1.750 d.C., o horror dominava a serra e os vales próximos à Feira de Cassanje, interior de Angola, assim descrito pelo historiador norte-americano Joseph Miller: "Ali as pessoas matavam e eram mortas como se a vida nada valesse. Não usavam roupas e consumiam carne humana e insetos vivos. Os cadáveres eram jogados nas estradas e devorados pelos famintos que por elas trafegavam. Quando estranhos se aproximavam, os fugitivos se escondiam na copa das árvores e atacavam todos os forasteiros que julgassem capazes de dominar. As guerras, agravadas por secas arrasadoras, produziam uma devastação tão absoluta que os homens mais jovens sobreviviam apenas da captura, do consumo, e da venda de outros. Cerca de 90% da população envolvida nos conflitos acabou dizimada. O território ficou quase completamente desabitado". Na esteira da grande onda escravagista ficava um cenário de morte e ruína.
- No início do Século XIX, estima-se que havia mais escravos no continente africano do que nas Américas. Ao cruzar a região da Senegâmbia, o explorador escocês Mungo Park estimou em seus relatos de viagem que 3/4 da população era escrava, e assim registrou: "o trabalho aqui é todo ele feito por pessoas cativas".
- Estima-se que de um total de 10,5 milhões de cativos que chegaram à América vivos até a metade do Século XIX, pelo menos 5,7 milhões, que são 54%, eram de Angola. A proporção foi ainda maior em relação ao Brasil, onde cerca de 70% dos 4,9 milhões de cativos que chegaram vivos até 1850 eram originários de Angola e suas vizinhanças. Luanda foi o maior porto fornecedor de tráfico negreiro na história, tendo só dali partido 12 mil viagens transportando aproximadamente 4 milhões de escravizados, cargas humanas vivas. Diferentemente do resto da costa da África, em Angola os portugueses se aliaram a soberanos locais para controlar diretamente o tráfico de escravizados em todas as suas etapas, da captura ao embarque nos navios que os conduziam à América, estando diretamente envolvidos em razias, sequestros, guerras e outros processos de escravização da população nativa.
- Mais da metade dos 10,5 milhões de escravizados chegou à América entre 1700 e 1800, sendo 2 milhões só no Brasil. Entre 1751 e 1800 foram 3,4 milhões de escravos comercializados, entre 1801 e 1850 foram 3,0 milhões, e entre 1701 e 1750 foram 2,2 milhões. Nos períodos anteriores, o volume era menor: entre 1501 e 1550 foram 44,5 mil, entre 1551 e 1600 foram 154 mil, entre 1601 e 1650 foram 527,7 mil, e entre 1651 e 1700 foram 989 mil.
- Na visão europeia, a gente da África era bárbara, sem moral, sem leis, vivia em contínua guerra, era mais predisposta à preguiça, à instabilidade emocional e aos vícios, e tinham uma inviabilidade para se regrar em si mesmos.
- Em 1798, a população do Brasil era estimada em 3,25 milhões de pessoas, sem incluir os indígenas "bravios" - ou seja, que não tinham sido incorporados à civilização colonial portuguesa. Os índios "pacificados" correspondiam a 7,7% do total, os brancos a 31,1%, negros e mulatos libertos a 12,5%, e os demais 48,7% - quase a metade, portanto - eram escravos chegados da África.
- Um censo do governo português em Angola feito entre 1777 e 1778 demonstrou o efeito devastador do tráfico escravista: havia duas mulheres para cada homem adulto entre 15 e 60 anos. No Brasil, a proporção era inversa.
- Um estudo feito por navios britânicos ao libertarem escravos de navios escravagistas no Oceano Atlântico mostrou que 30% dos escravizados tinham sido sequestrados por outros africanos, 11% em decorrência de processos judiciais nos quais eram acusados de diversos crimes, entre os quais o adultério, 14% foram vendidos para quitar dívidas contraídas por eles próprios ou por seus familiares, e 34% era composto por prisioneiros de guerra.
- Nos Estados Unidos era reduzido o número de alforrias concedidas, o que combinado à elevada taxa de natalidade e expectativa de vida mais longa levou a um aumento de população escravizada sem necessidade alta de reposição. No Brasil ocorreu o contrário: os índices de alforria eram mais altos, a taxa de natalidade em cativeiro era inferior à dos EUA, a expectativa de vida não passava de 18,3 anos, e a necessidade de reposição era bem mais elevada.
- No Haiti, houve a maior insurreição de escravizados em quase cinco séculos de escravidão nas Américas. Houve um banho de sangue que se arrastou por 12 anos. Estima-se em 100 mil o número de escravizados que se juntaram à revolta. A ampla maioria dos colonos brancos foi massacrada. Dos 40 mil soldados da França enviados para reprimir à rebelião, somente 8 mil regressaram para a Europa vivos. Foi o único país nas Américas a ter conquistado sua independência (em 1804) a partir de uma revolta de escravizados.
- Entre 1792 e 1815, as Guerras Napoleônicas na França levaram a um amplo movimento de rupturas. Mas eram transformações brancas, que deixavam à margem a liberdade da população negra e escravizada. Em 1791, a Assembleia Nacional Francesa chegou a condenar a escravidão. Entretanto, em 1802, pressionado pela sangria de recursos em função da guerra, Napoleão Bonaparte reintroduziu a escravidão em todas as colônias francesas.
- Em 1815, reunidos no Congresso de Viena, que redesenhou as fronteiras geográficas e políticas ao fim das Guerras Napoleônicas, as principais potencias europeias - representadas por Grã-Bretanha, França, Espanha, Portugal, Áustria, Prússia, Rússia e Suécia - assinaram um documento no qual se declarava que o tráfico de africanos escravizados era "repugnante a todos os princípios de humanidade e moralidade universal", recomendando também que todos os países nele envolvidos o abolissem assim que possível. Apesar da ênfase nas palavras, nenhum prazo foi definido para que isto de fato acontecesse.
- México, Chile, Bolívia, França e Inglaterra aboliram o cativeiro em seus domínios entre 1818 e 1840. Nas décadas seguintes, seria a vez de países como Argentina, Colômbia, Dinamarca, Equador, Peru, Suécia, Tunísia, Uruguai e Venezuela. Por volta de 1855, restavam apenas três grandes territórios escravistas nas Américas: Brasil, Cuba e Estados Unidos. A abolição nos domínios norte-americanos aconteceu em 1865, no final de uma guerra civil na qual morreram cerca de 750 mil pessoas. No ano seguinte, foi a vez de Cuba. No Brasil, a marcha foi bem mais lenta, devido à resistência obstinada da aristocracia escravista, sustentáculo do poder político local. Em 1871 foi proclamada a Lei do Ventre Livre, que concedia liberdade aos recém-nascidos e criava fundos para a compra da alforria de adultos. Uma segunda lei, em 1885, declarava livre todos os sexagenários (com idade acima de 60 anos). Por fim foi assinada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, que decretou o fim da escravidão legal no Brasil.
- A Guerra de Secessão é considerada a maior tragédia humanitária da história dos Estados Unidos da América, tendo tido como principal motivo a luta pelo fim da escravidão. O norte era mais industrializado e menos dependente da agricultura, e foi onde a luta pelo fim da escravidão ganhou adesão, enquanto o sul era majoritariamente agrícola e sustentado por grandes plantações mantidas pelo trabalho da mão de obra escrava, com uma estrutura econômica mais similar à da América Latina. A eleição em 1860 de Abraham Lincoln como presidente da república, um defensor das posições do norte, foi o gatilho para o início dos conflitos, que começaram em 1861 quando representantes do sul do país, região escravista, tentaram constituir um país independentes: os Estados Confederados da América. Lutaram então contra a União, aliança federativa dos estados do norte, região onde a maioria era de imigrantes protestantes fugidos dos conflitos religiosos na Grã-Bretanha. Nos quatro anos de luta armada que se seguiram, morreram 620 mil soldados – 260 entre os confederados e 360 nas tropas da União – mas ao somar as perdas de vidas civis, o total de mortos chegou a 750 mil. O resultado daquela guerra seria crucial para o futuro econômico dos EUA, assim como para o fim da escravização, já que após ela, isolado e como último país escravista nas Américas, o sistema escravista do Brasil ficou encurralado e sem alternativa. Ainda assim, a resistência à abolição ainda persistiu por duas décadas mais, só sendo consumada em 1888.
- A escravidão esteve presente em praticamente todas as sociedades do passado humano, em todas as partes. Foi endêmica tanto na Roma Antiga quanto na África. Porém, foi o desenvolvimento das colônias de açúcar nas Américas, a partir do princípio do Século XVII, o que provocou uma escalada extrema do tráfico internacional de escravos e um aumento sem precedentes da importância da escravidão dentro da África. Em Angola, Benin, Gana e Togo, por exemplo, o número de cidadãos escravizados exportados atingiu um total acumulado superior à população que estas regiões detinham em 1.400 d.C.. O recrudescimento de conflitos foi alimentado pela gigantesca importação de armas e munição que os europeus trocavam por escravos na costa do continente. Em 1730, cerca de 180 mil armas foram recebidas por ano só no litoral oeste do continente. Entre 1750 e princípios do Século XIX, só a Grã-Bretanha trocaram entre 283 e 394 mil armas por ano. Entre 1750 e 1807, os ingleses forneceram um extraordinário volume de 22 mil toneladas de pólvora, chegando a uma média de 384 mil quilos ao ano, além de 91 quilos de chumbo anuais. Até a lei se converteu em instrumento de escravização. Qualquer que fosse o crime cometido, a pena passou a ser a condenação à escravidão. O mercador inglês Francis Moore notou as consequências disso ao longo da costa da Senegâmbia, na África Ocidental, na década de 1730, deixando o relato: "Desde que o tráfico de escravos assim entrou em vigor, todas as punições passaram a ser a escravidão; havendo vantagens em tais condenações, constituíram-se um excessivo rigor punitivo, a fim de assegurar o benefício da venda do criminoso. Não só o assassinato, o roubo e o adultério eram punidos pela venda do criminoso como escravo, mas as maiores frivolidades passaram a ser penalizadas da mesma maneira". Este é um grande exemplo, entre muitos que há na história humana, de como o desenvolvimento econômico pode às vezes causar e se alimentar de subdesenvolvimento alheio em alguma outra parte. É uma grande herança histórica da importância da consciência com que as escolhas são feitas, e quais consequências estas podem vir a ter a longo prazo.
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