Toda cultura tem crenças, normas e valores característicos, mas que estão sempre em transformação constante. Toda ordem criada pelo homem é cheia de contradições internas, assim como a própria natureza individual do ser humano também é. Partindo-se destas premissas, cabe a nós entendermos que praticamente todas as sociedades humanas conhecidas ao longo de toda a história têm ou tiveram religiões ou algo parecido. Isso sugere que a religião preenche alguma necessidade humana universal ou, pelo menos, brota de alguma parte da natureza humana comum a todos.
Em síntese, os componentes comumente atribuídos à religião podem ser identificados como associados a uma crença no sobrenatural e em como tais forças podem intervir na vida humana. Junto a isto, envolvem uma participação em um movimento social amplo, que geralmente se associa a onerosas provas de comprometimento, e também a regras práticas para pautar o comportamento coletivo e a moralidade. Embora nem toda religião combine todos estes atributos, de forma genérica e simplificada este é um fato observável, já que a maior parte das religiões realmente pressupõe a existência de forças supremas, espirituais e de outros agentes sobrenaturais, além de determinar padrões de conduta esperados.
No cerne de todas as religiões há um fator em comum: a religiosidade foi inventada para realizar certas funções e solucionar certos problemas, como manter a ordem e a coesão social, confortar os aflitos, e ensinar a obediência política. Esta relação entre as forças de explicação de tudo via a religiosidade, e de busca de coesão de grupo via moralidade e sustentação a elos políticos para ordenamento dos laços sociais, veio a coexistir por séculos no desenrolar de florescimento civilizatório da humanidade, um padrão observável por todos os lados e entre os mais distintos povos.
Porém, em seus primórdios, a origem de todas as religiões derivou da busca humana por um significado e entendimento de como o mundo funcionava, buscando a construção de explicações causais. Como se fosse uma protociência, um início intimamente relacionado a um esforço humano para entender todo o mundo que funcionava à sua volta.
Sobretudo um tema se destacou nesta busca por entendimento: o lidar com a morte. A natureza humana sempre a entendeu como um grande mistério, pois ela parecia se contrapor à ordem natural de tudo. O que é a morte? Toda a vida que vibra dentro de um ser humano de repente desaparece e aquele ser humano se torna uma massa inerte e fria. Para onde vão imaginação, vontade, amor, inteligência, toda a vida e as complexidades que vibravam ali? Como de repente o ser humano já não é mais? Não há uma solução de continuidade? É como um grande paradoxo, pois percebemos um contrassenso: as leis do universo não funcionam assim, já que nelas nada desaparece, tudo se transforma. É muita coisa para de repente virar nada!
Desde os primórdios da consciência humana de nossos antepassados já se percebia isto, já havia o senso lógico de que muita coisa não pode virar nada. Daí, intuitivamente, surgiu a crença de que tem que haver um depois, um após a morte. É por este trilho de busca de entendimento que germinam as sementes da religião em todas as sociedades humanas.
Assim, uma das funções originais das religiões era buscar prover explicações. Os mitos de origem são encontrados em quase todas elas, buscando respostas para a existência do universo, dos seres humanos, e da diversidade linguística e cultural da humanidade.
Nesta viagem de busca por entendimento, era extremamente comum a associação de entidades superiores ao movimento no céu, fosse do sol, da lua ou das estrelas. Os ancestrais humanos viam aqueles movimentos todos, não os entendiam, e buscavam algo para explicá-los. E desta busca por compreensão, nasce uma característica comum a quase todas as religiões: crenças sobrenaturais específicas reproduzindo poderes excepcionais superiores à capacidade humana, que são projeções das fantasias humanas de poder pessoal associadas a aqueles poderes naturais não compreendidos.
Ao mesmo tempo, as religiões também surgem originalmente com um papel de aplacar as ansiedades dos indivíduos a respeito de problemas e perigos que estão além do controle da humanidade. Após tentar fazer tudo o que está a seu alcance para tentar controlar a situação, quando há desespero diante da realidade de incapacidade de poder controlar as coisas, as pessoas então recorrem a preces e orações, rituais e cerimônias, magias e oferendas, deuses, oráculos, bruxos e xamãs, numa ânsia de aliviar aquela sensação e o sentimento de impotência.
São características essencialmente de nossa natureza e de nossa humanidade. Estudos psicológicos comprovaram que a oração em situação de estresse oferece uma sensação de ao menos se estar fazendo algo para tentar mudar as coisas, ao invés de não estar fazendo nada. Este sentimento faz com que as pessoas orando tenham menos dificuldade para dormir, menos dificuldade para se concentrar, e são menos inclinadas a ataques de raiva, e a ficarem ansiosas, nervosas, tensas, ou deprimidas em relação àquelas que convivem fria e diretamente com o sentimento de impotência de não poder fazer nada diante das dificuldades.
Há uma série de fatores psicológicos associados a tais sentimentos e reações. São comportamentos também perceptíveis na relação humana com jogos de azar, quando os jogadores geralmente seguem seus próprios rituais antes de se lançar à sorte. Quando há racionalidade, tais sentimentos tendem a desaparecer: jogadores de xadrez, por exemplo, não costumam observar nenhum ritual. Isto acontece porque os resultados dos jogos de azar são ao acaso, enquanto o jogo de xadrez depende de estratégia e lógica, não estando sujeito ao acaso. Estes casos são plenos exemplos de como as forças humanas agem para tentar encontrar equilíbrio entre a racionalidade e a sentimentalidade dentro de si.
As religiões cresceram porque ofereciam, e oferecem, doutrinas de consolo. Os seres humanos sempre buscaram um sentido para suas vidas, pois sem isso a vida pode parecer absurda, sem propósito e evanescente, em um mundo cheio de desventuras imprevisíveis.
Somos o único animal a acreditar em deuses ou seres sobrenaturais. Observações naturais indicam que alguns chimpanzés já foram vistos passando a noite em claro ao lado do corpo de um companheiro falecido. Assim como em casos de elefantes, leões e tigres, quando indivíduos destas espécies, especialmente fêmeas, já foram vistos passando horas ao lado do corpo morto e inerte de um parente próximo, na maioria das vezes um filhote. Situações como esta, no entanto, de um animal velando um corpo, não costumam afetar o comportamento destes animais após estas situações pontuais. Nunca nenhum deles enterrou seus mortos ou levou oferendas a eles. Por isto, podemos dizer que há uma íntima relação entre as nossas crenças e a nossa humanidade.
O que a teoria da evolução, a psicologia experimental, a arqueologia, e a crítica textual já descobriram acerca das origens do conceito religioso? Acredita-se que um dos pré-requisitos para o desenvolvimento de algum tipo de religiosidade seja a capacidade de pensamentos simbólicos, a capacidade de enxergar significado nas coisas além da utilidade imediata destas. Um possível indício de pensamento simbólico nos antepassados humanos é o desenvolvimento da arte, a tentativa do uso de elementos materiais para criar algo com significado estético, algo que os arqueólogos já identificaram, como já citado anteriormente, como tendo surgido e evoluído em nossa espécie, de forma crescente, a partir de uma data aproximada de 50.000 a.C..
Porém, já foram descobertos indícios de algum surgimento de pensamentos simbólicos nos Homo sapiens que regressam a 100 mil anos no tempo, com desenhos toscos em pedras, e elaboração de colares de conchas. Só que foi a partir de 40 mil anos atrás que houve uma explosão das manifestações simbólicas, quando as paredes das cavernas na Europa se tornaram grandes galerias de arte. Várias das criaturas que aparecem pintadas nestas paredes, assim como elaboradas em estátuas de marfim, eram seres que misturavam partes de corpos de homens e de outros animais. Um forte indício de que a detecção quase compulsiva de enxergar agentes invisíveis e sobrenaturais se somou à tendência de enxergar propósito e intenção em tudo que acontecia no mundo ao nosso redor. Como está evidenciado em nossa natureza animal e na construção civilizatória de nossa humanidade, os sapiens são uma criatura intensamente social, que tem uma tendência a buscar relacionamentos mais ou menos equilibrados e justos. Daí surgiu uma tendência natural por associações a entidades sobrenaturais, que foram concebidas com um interesse especial em fazer a justiça em meio às relações humanas em grupos que foram ficando cada vez maiores.
Um levantamento feito pelo antropólogo Christopher Boehm, da Universidade do Sul da Califórnia, examinou as crenças religiosas de 18 sociedades de caçadores-coletores: apenas 4 delas adoravam deuses que proibiam enganar aos outros, e só 7 possuíam deidades que condenavam os assassinatos. Num estudo parecido, o sociólogo Rodney Stark, da Universidade Baylor, examinou um banco de dados sobre religiões de 400 culturas pré-industriais, incluindo caçadores-coletores, agricultores e criadores de gado, e só um quarto delas reverenciava deuses que se interessavam por assuntos humanos e pregavam o comportamento moralmente ético. A conclusão indicada, na combinação destas duas análises, é que a probabilidade de se conceber deuses poderosos em meios às crenças aumentava quanto maior e mais complexos fossem os grupos humanos. Este surgimento de deuses superpoderosos é um caso clássico de evolução cultural convergente, ou seja, do aparecimento de características muito parecidas de forma independente em diferentes lugares e épocas.
Há uma outra curiosidade também ao estudarmos o comportamento de nossos antepassados: existe uma correlação estatística comprovada, e totalmente independente em relação a qual continente é estudado, de que o surgimento de deuses superpoderosos teve alta relação com sociedades que sofreram de falta de água, sociedades que precisavam de uma coesão social acima do normal para continuar funcionando, para encontrar meios de subsistir e se manterem vivas.
A religião, portanto, nasceu para buscar uma explicação para o mundo natural, e floresceu de forma independente em muitas culturas, como mitologia, associada a uma tentativa de entendimento de fenômenos naturais como o sol e a chuva, e seus efeitos para as colheitas.
À medida que as primeiras sociedades humanas se expandiram e se misturaram, diferentes crenças e divindades geraram um panteão diversificado de riqueza cultural para a geração de coesão social. Viver em grupos maiores envolve invariavelmente saber construir laços políticos, e foi assim que emergiram múltiplos deuses a serem celebrados em nome de diferentes aspectos da vida comunitária, como a agricultura, a guerra, o lazer coletivo, a fertilidade e a reprodução, personificando traços humanos como amor, raiva, orgulho, ciúmes, compaixão, entre tantos sentimentos. Por isso, originalmente as crenças religiosas por todos os lados foram politeístas, celebrando vários diferentes deuses, cada um associado a diferentes fatores.
Mas isto foi paulatinamente sendo transformado. Com os agrupamentos humanos sendo cada vez maiores, cresceu o senso de injustiças em meio ao convívio social. Os textos religiosos da Mesopotâmia e da Grécia Antiga começam a ficar cheios de frases de efeito com as quais Marduk ou Zeus protegiam os desafortunados e puniam os malfeitores. O entendimento desta semente sentimental é fundamental para uma compreensão de como, de repente, uma multiplicidade de crenças politeístas migrou para uma crença monoteísta.
Não por coincidência, tudo isto veio a ser germinado inicialmente no Oriente Médio, nas proximidades do Crescente Fértil, onde emergiu o monoteísmo israelita, o qual transformou este tipo de exigência e clamor por justiça no centro da religião. O surgimento do monoteísmo teve uma alta correlação com a geração de coesão social e com sociedades mais aguerridas do que as demais, em termos de serem unidas com o propósito de guerra e de conquista.
Os antigos israelitas eram seguidores do deus Yahweh (nome aportuguesado para Javé). O livro sagrado daquele povo foi escrito por volta de 500 a.C. e representou o desabrochar definitivo do monoteísmo na história humana. Tal povo acabou lentamente passando a ser conhecido como judeus, e sua religião como o Judaísmo, por causa da tribo israelita que predominava entre eles, a de Judá.
O início de sua história remonta a um tempo por volta de 1.800 a.C., quando um chefe tribal chamado Abraão, de origem mesopotâmica, teria atendido a um chamado da divindade chamada Yahweh, deixando a região de Harã, onde hoje está a fronteira entre a Turquia e a Síria, e partindo para encontrar a terra prometida chamada Canaã, situada onde hoje estão Israel e Palestina. Yahweh lhe promete que será nestas terras que seus filhos, netos e bisnetos darão origem a um povo mais numeroso do que todas as estrelas do céu, e do que todos os grãos de areia da praia.
Por que ali? Porque durante séculos grupos seminômades de regiões vizinhas ao Egito costumavam aparecer nas fronteiras do abastado império faraônico, frutífero por conta das águas do rio Nilo, pedindo para serem recebidos em tempos de seca e de fome. O desespero pela subsistência, como sempre, emergia para fortalecer laços sociais e gerar coesões grupais, as quais faziam crescer a chance do grupo se manter vivo.
Uma estela (bloco vertical de pedra) de Merneptah, filho do faraó Ramsés II, traz o registro histórico mais antigo já encontrado pela arqueologia - referente a 1.208 a.C. - a fazer menção à terra de Israel, associando-a a um grupo tribal que vivia em algum lugar na terra de Canaã, e mencionando que os egípcios teriam transformado a região num deserto, pois suas sementes haviam sido destruídas e não mais existiriam (uma menção que muito provavelmente está relacionada a terem destruído as suas plantações, não exterminando ao povo dali, pois as menções de extermínio costumavam ser bem detalhadas quando era o caso, como louvor de sucesso militar de um líder político).
Segundo a tradição, Abraão e Sara tiveram então um filho, Isaac, e um neto, Jacó, e todos acabaram escravizados no Egito. Os descendentes de Jacó acabaram vindo a se libertar dos egípcios, segundo a crença pela interferência de Yahweh manifestada para o profeta Moisés. Eles se libertam e migram de volta em direção a Canaã. Moisés teria morrido antes da chegada ao seu destino, e sua liderança é substituída pela do general Josué que, segundo a Bíblia Hebraica (Antigo Testamento para os cristãos), supera as muralhas, invade e conquista Jericó, em Canaã, matando a todos os seus habitantes, e ali organizando as 12 tribos israelitas, cada uma comandada por um dos 12 filhos de Jacó, bisnetos de Abraão.
No tempo no qual estas 12 tribos viviam separadas, o Antigo Testamento narra que: "naqueles dias não havia rei em Israel, e cada homem fazia o que queria e lhe parecia o mais certo a seus próprios olhos". É um conceito de justificativa para a monarquia, o qual é bastante similar ao observado na narrativa de caçadores-coletores que viriam a ser colonizados milênios depois e exaltavam o governo por haver gerado paz. Vamos retomar este tema mais adiante... por hora cabe apenas ilustrar este como um dos principais fatores de aceitação coletiva à ordem política imposta: a capacidade de um líder gerar e sustentar a paz.
O monoteísmo israelita não nasceu pronto da cabeça de um único reformador religioso, emergiu de forma gradual a partir de um conjunto de antigas crenças que coexistiam na região de Canaã. Algumas das camadas mais antigas da tradição bíblica sugerem que este deus israelita (Yahweh) assumiu características divinas de dois dos mais importantes deuses venerados pelos cananeus (El e Baal).
Cientificamente há alguma contestação sobre o quanto tais relatos seriam fidedignos e não mitológicos, pois as evidências linguísticas mostram que os idiomas registrados entre 1.200 e 1.000 a.C. naquela região derivam das línguas semíticas norte-ocidentais, sendo a mais famosa o ugarítico. O hebraico é um dialeto derivado do cananeu, e em suas fases mais antigas é quase impossível de ser diferenciado do fenício, que aparece na região pouco depois do ugarítico. Não há qualquer registro de influência da língua egípcia nos registros da língua israelita, o que é uma contra-evidência em relação a um longo período de um povo supostamente vivendo subjugado no Egito.
O primeiro rei israelita ungido pelo profeta Samuel teria sido Saul, da tribo de Benjamin, mas ele fracassou no combate às invasões dos filisteus. A história deste povo então voltaria a mudar depois que um pastor de ovelhas chamado David, de Belém, da tribo de Judá, venceu a um gigante chamado Golias, derrotando enfim aos filisteus, e por isto sendo declarado o novo rei. Antes, ele teria sido obrigado a escapar da ira de Saul, que teria tentado matá-lo. Toda esta história é um exemplo explícito de como a partir de guerras e conflitos políticos nas sociedades passadas emergiam as figuras de heróis sobre-humanos e superpoderosos. Teria sido por volta de 1.000 a.C. que o rei Davi conquistaria o território onde está a cidade de Jerusalém. Ele acaba sucedido por seu filho, o rei Salomão, que morreu em 935 a.C., tendo após a sua morte o reino sido dividido em dois: Israel e Judá.
David vem a governar por décadas e se torna um modelo para todos os governantes de Israel. Mas é através de seu filho e sucessor, Salomão, que o reino teria alcançado o seu auge e apogeu, um reinado descrito como de dimensões faraônicas (ainda que não existam evidências arqueológicas que comprovem este gigantismo imperial. A princípio, tal gigantismo parece ser uma percepção relativa a emergir numa região aonde grandes impérios ainda não tinham chegado).
As emergentes monarquias israelitas estavam longe de ser tão totalitárias quanto os impérios da Mesopotâmia e do Egito, lugares muito mais ricos e cosmopolitas do que Israel, e onde os reis controlavam cada espectro cotidiano do povo, com pesados tributos para sustentar os templos, os pastores e os rebanhos do rei. Os monarcas de Israel e Judá nunca chegaram a este nível de interferência na vida da população.
Neste mundo antigo de israelitas, babilônios, assírios, fenícios e persas, não existia uma palavra específica para designar o conceito de religião, porque a vida religiosa simplesmente estava integrada ao cotidiano de todos. Tudo tinha dimensão religiosa e era inseparável do aspecto laico. Um dos papéis originais da religião foi construir deidades guerreiras, tanto que um epíteto muito comum no Antigo Testamento é o de "Senhor dos Exércitos". É exatamente esta a natureza da narrativa da vitória de David, um pastor adolescente, sobre o gigante guerreiro Golias, a qual ajuda a construir a ideia de que Yahweh é capaz de fazer seus escolhidos triunfarem em combate, independentemente do quão improvável seja o triunfo. Esta é a base da teologia monárquica, ao mesmo tempo em que é a base de sua aceitação popular, alimentando o mito da vitória dos mais fracos e vulneráveis sobre os mais fortes e poderosos.
As origens monoteístas têm uma forte ligação a conceitos nacionalistas de proteção ao povo. Por exemplo, a estela de Mesa, rei de Moab, feita por volta de 840 a.C., na qual o monarca exalta seu deus, Camós, e se vangloria da conquista de uma das cidades de Israel, citando o "deus deles" Yahweh. Invertendo o padrão de narrativa do Êxodo, livro do Antigo Testamento, Mesa afirma que os moabitas estavam sendo oprimidos pelos israelitas, o que enfureceu Camós, que inspirou então o rei de Moab a contra-atacar, destruindo e matando todos os 7 mil habitantes da cidade conquistada. O livro "Juízes", do Antigo Testamento, também cita Camós, mas não como deus dos moabitas, mas sim dos amonitas: "não possuís tudo o que teu deus Camós te deu? Do mesmo modo, tudo o que Yahweh, o nosso deus, tomou dos seus possuidores, nós o possuímos".
Houve então a derrota militar e a queda da Assíria, e um novo império emergiu no Oriente Médio, a Babilônia. Em 587 a.C., o rei babilônio Nabucodonosor e seu exército tomaram e destruíram Jerusalém, incluindo o Templo de Yahweh, e forçaram os judeus a migrarem exilados para viverem na Babilônia. Foi este evento o que definiu a personalidade, as funções e a abrangência cósmica de um Deus único, solidificando o monoteísmo em Israel a partir da destruição de Jerusalém e das cidades de Judá. O povo, sem Estado e autonomia política, paradoxalmente, passou a conceber a sua divindade como o superpoderoso imperador inconteste do universo, reparador de todas as injustiças que recaíam sobre o povo.
A estrutura do Antigo Testamento começa então a se delinear para valer durante este exílio babilônico e no período que o seguiu. A hipótese documentária é a mais aceita para a composição do Pentateuco, ou Torá, o conjunto dos 5 primeiros livros da Tanakh (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). Depois destes livros se segue a coleção de livros "históricos", os livros de Josué, Juízes, Samuel, e Reis. Assim amadurecia, de forma definitiva, o Judaísmo como uma religião monoteísta em torno de um Deus supremo, Javé. Emergem os 10 mandamentos e 100 regras menores, que vieram a ser os preceitos morais para grande parte da humanidade, pois foram os alicerces de três religiões: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.
Enquanto isto, bastante longe dali, bem a leste, em direção à outra ponta da Ásia, também cresciam vertiginosamente outros aglomerados humanos, nos vales de rios como o Indo, o Ganges, o Amarelo e o Yang-Tsé, processo que também levou à formação de grandes religiões.
Em 566 a.C. nasce Sidarta Gautama na região onde hoje está o Nepal. Ele viria a se converter no primeiro Buda, criando uma religião baseada na filosofia do poder de evolução e crescimento espiritual do próprio ser humano, sustentada numa lógica de poder de evolução da mente rumo ao alcance do nirvana (cujo significado é: "estado de extinção do fogo"). O Budismo emergiu inicialmente como uma derivação do Hinduísmo, mas sem a aceitação da divisão socioeconômica segregacionista das castas hindus. Este conceito mais igualitário levou as palavras de Sidarta Gautama a virem a ter uma maior aceitação popular naqueles tempos.
Na essência de sua doutrina, o Buda sustentava que "a vida não é feita de prazeres, mas de responsabilidades". Ao mesmo tempo, o Budismo deu mais importância à questão da felicidade do que qualquer outro credo humano. Nele, os sentimentos seriam vibrações transitórias, e a raiz do sofrimento seria a incessante e inútil busca de sensações efêmeras, o que gera um constante estado de tensão, inquietude e insatisfação. O ser, para se libertar, precisaria focar no ir e vir de seus sentimentos e não em perseguir seus desejos, parando de ansiar por sentimentos específicos. O sentido da felicidade seria viver o momento presente sem fantasiar como poderia ou deveria ter sido de outra forma, deixando os sentimentos positivos e negativos fluírem livremente, sob uma profunda serenidade de autoconhecimento.
O norte da Índia está como berço das religiões orientais assim como o Oriente Médio está como berço das religiões ocidentais. Enquanto o Hinduísmo viria a prevalecer ao longo dos séculos seguintes na região onde hoje é a Índia, o Budismo migraria paulatinamente do norte da Índia para a China, onde durante séculos se misturou ao Confucionismo e ao Taoísmo, numa expansão contínua e constante, tendo nos anos 200 d.C. chegado à Birmânia, nos anos 300 d.C. a Java e à Coréia, nos anos 500 d.C. à Sumatra, e nos anos 700 d.C. chegado ao Japão.
O oriente da Ásia vinha vivendo enormes transformações. Entre 700 e 464 a.C., aconteceu o processo de unificação política da China, tendo 100 pequenos estados após muitas guerras vindo a formar primeiro 7 reinos, que posteriormente vieram a se reduzir a apenas 2 reinos, até a unificação total em 221 a.C.. Logo a seguir, em 214 a.C. há a conclusão da Grande Muralha da China. Esta unificação política veio a sustentar a formação da "Rota da Seda", a primeira rota constante de comércio intercontinental de grande porte, a qual unia Roma, Alexandria, Índia e China, comercializando seda e especiarias em troca, sobretudo, do vidro produzido na Europa.
Enquanto as palavras e ensinamentos de Sidarta Gautama cresciam em importância, mais a oeste dali, em meio ao processo de unificação política da China, prevaleciam os ensinamentos da Doutrina de Confúcio, quem construiu as bases da filosofia oriental. O vale do rio Amarelo já havia se tornado o lugar mais densamente povoado do Planeta Terra, tendo a China passado, nos séculos seguintes, a ter uma população superior à de toda a Europa somada.
Este longo processo de adensamento remontava a 2.000 a.C., quando se estima que havia 10 mil entidades políticas convivendo no vale do rio Amarelo. Na época da Dinastia Shang (por volta de 1.500 a.C.) elas tinham diminuído para 3 mil chefaturas tribais. A Dinastia Zhou oriental começou, em 771 a.C., com 1.800 chefaturas e terminou com 14 entidades que estavam muito mais próximas do que futuramente foi chamado de Estados. Durante o período que se seguiu, conhecido como aquele dos "Reinos Combatentes", que durou de 475 a 221 a.C., os 7 reinos restantes foram se reduzindo, até que fosse formado apenas 1. A China estava unificada, e assim permaneceria durante milênios.
O Oriente Médio, por outro lado, seguiu por um caminho de fragmentação cada vez maior. Em 535 a.C. o Império Persa derrotou ao Império Babilônio, e os israelitas puderam enfim regressar de seu exílio forçado, e assim que regressaram à sua região de origem, imediatamente lançaram as pedras de fundação do 2º Templo de Jerusalém.
A partir de 330 a.C., os persas acabam sendo derrotados pelo exército macedônio de Alexandre, o Grande, o qual tinha o propósito de espalhar a cultura e a influência da Grécia por todas as terras por ele conquistadas. A partir de então, numa nova nêmese cultural, muitos judeus passaram a ser influenciados pela cultura grega, tendo o próprio Antigo Testamento sido traduzido para o grego.
A influência grega perdurou por séculos, e fez surgir a literatura apocalíptica na Bíblia Hebraica, quando os opressores então teriam o seu justo castigo, e aqueles que morressem defendendo a verdadeira fé ressuscitariam e viveriam para sempre num mundo no qual o mal teria deixado de existir para sempre. A Dinastia dos Asmoneus (gregos) só veio a terminar em 37 a.C., após uma aliança entre o aristocrata judeu Herodes e o Império Romano, que estendia suas conquistas por quase todas as partes do mundo que então eram conhecidas por Roma e seus imperadores.
Curiosamente há um certo paralelo entre esta unificação através da guerra para a formação de um império ocorrida no Oriente, na China, com acontecimentos marcantes no Ocidente, onde uma unificação territorial se deu em torno de Roma. Temporalmente tais processos se deram em épocas diferentes, mas relativamente próximas no tempo. As características causais também foram distintas, dado que na China foram fruto de um conflito entre longas tradições, enquanto Roma tinha sido criada a relativamente pouco tempo quando empreendeu suas conquistas. Fato é que as consequências foram totalmente diferentes, com o Império Romano terminando por vir a se fragmentar por completo, o que jamais ocorreu na China.
As bases civilizatórias de Roma resgataram a herança semeada na Grécia Antiga, cuja civilização se estendeu por todo o Mar Mediterrâneo, influenciando diferentes pontos deste litoral espalhado pela Europa. As escolas de pensamento grego ainda estavam ativas e influentes, contemporâneas ao Império Romano, entretanto o apogeu político da Grécia havia sucumbido.
O primeiro apogeu da civilização grega se deu aproximadamente entre 3.000 e 1.100 a.C., que foi o chamado período pré-Homero (autor dos poemas épicos "A Ilíada" e "A Odisseia") na fase da civilização minoica e micênica. A queda desta civilização se deu entre 1.200 e 1.100 a.C., e como consequência levou ao desaparecimento da escrita conhecida como "Linear B" (utilizada pelos micênicos). A Grécia regressou então a uma época pré-literária, o que ocorreu porque a escrita era restrita a poucos, não tendo assim se perpetuado.
Quando a escrita reapareceu na Grécia, no Século VIII a.C., a nova escrita grega era muito diferente, já não sendo mais um silabário misturado com logogramas, e passando a ser um alfabeto emprestado (importado) da escrita fenícia. Este período grego arcaico durou de 800 a 500 a.C., caracterizado pelo surgimento das cidades-estados e pela formação da polis. Em 776 a.C. surgiram os Jogos Olímpicos, e por volta de 700 a.C. os cavalos passaram a ser usados também para a guerra, aumentando o poderio militar dos exércitos e revolucionando a capacidade de conquistas das maiores civilizações. Em 670 a.C. pela primeira vez viriam a ser cunhadas moedas. Tudo tomava uma nova dimensão na Europa!
É quando há a segunda fase de apogeu de Atenas, com inovações que mudaram a história, com Platão na filosofia, Aristóteles na política, Hipócrates na medicina, e Pitágoras na matemática. Destes pensadores surgiu a democracia, mas surgiram também as críticas à democracia, que seria um modelo lento para a tomada de decisões, o que deixava as sociedades relutantes em tomar medidas que fossem necessárias, porém, impopulares. Isto deixaria o estado vulnerável em tempo de crises ou de guerras, entendimento que acabaria prevalecendo e impedindo que a democracia florescesse de forma definitiva naquele momento.
Em 588 a.C. emergiu a primeira "potência olímpica", a cidade grega de Crotona, que ficava ao sul de onde veio a ser a Itália. Curiosamente foi onde viveu o revolucionário matemático Pitágoras, mas cujo herói da cidade era o lutador Milo, seis vezes campeão olímpico de luta.
Em 753 a.C. havia sido fundada a cidade de Roma. Influenciados pelas ideias nascidas em Atenas, em 509 a.C. o Senado depôs o rei Tarquínio, o Soberbo, e foi então fundada a República Romana, que durou de 509 a 27 a.C., quando viria a ser sucedida pelo Império Romano (fase pós-republicana), que durou de 27 a.C. a 395 d.C.. O apogeu territorial de Roma se deu em 117 d.C., quando esta dominou uma área que no início do Século XXI formava 46 países independentes.
Até então, a maioria dos impérios só estendia o seu controle à sua vizinhança imediata. Entre 350 e 300 a.C., os romanos conquistaram a Etrúria para defender Roma. Em 200 a.C., conquistaram o Vale do Pó para defender a Etrúria. Em 120 a.C., conquistaram Provença para defender o Vale do Pó. Em 50 a.C., conquistaram a Gália para defender Provença. E em 50 d.C., conquistaram a Bretanha para defender a Gália. De conquista em conquista, foi-se construindo o maior domínio territorial que a humanidade já havia visto até então.
Em 326 a.C. a área dominada por Roma era de 10 mil km², em 50 a.C. era de 1,95 milhão de km², em 25 a.C. de 2,75 milhões de km², e em 117 d.C. era de 6,5 milhões de km². Levaram 400 anos para ir de Roma até Londres, num processo de evolução da arte militar como nunca antes tinha sido visto. Nenhum romano nunca concebeu ir direto de Roma à Bretanha para conquistá-la. E não havia por que fazer isto. Os navios romanos que cruzavam o Mar Mediterrâneo tinham 50 metros de comprimento, eram bem maiores, por exemplo, do que as embarcações com as quais Cristóvão Colombo cruzaria o Oceano Atlântico mais de um milênio depois, as quais tinham cerca de 30 metros de comprimento. O Império Romano impôs uma enorme inovação nos campos de batalha: embora continuassem a utilizar espadas e adegas em lutas corpo a corpo, passaram a usar armas de longo alcance, como dardos, fundas e catapultas, que alcançavam alvos de até 800 metros de distância.
Em 331 a.C. foi fundada Alexandria, no Egito, a cidade que sustentaria a herança da cultura grega no Ocidente, e cujas influências viriam a ser decisivas para a sustentação ideológica do Império Romano a partir do momento em que este a conquistou. As distâncias na Europa estavam sendo encurtadas de forma acelerada.
Entretanto, o ritmo de tudo oscilava de acordo aos grandes acontecimentos políticos. Em 44 a.C. aconteceu o assassinato de Júlio César em Roma, e o império perdeu a partir de então uma importante parte de sua sustentação expansionista. Mas ainda que tenha desacelerado a sua capacidade de se expandir, manteve-se relativamente forte nos três séculos seguintes.
Em 285 d.C., o Império Romano viria a ser dividido em dois, e isto marcou uma ruptura religiosa e, consequentemente, cultural, à medida que o Cristianismo havia se espalhado como a sua religião dominante, mas que sofreria então a sua primeira fragmentação. Foi formado o Império Romano do Ocidente, que tinha como capital a Roma e como seu idioma ao latim (o que deu origem à Igreja Católica), e o Império Romano do Oriente, que tinha como capital a Constantinopla e como seu idioma ao grego (o que deu origem à Igreja Ortodoxa).
Voltemos um passo para explicar a origem do Cristianismo como religião, a qual emergiu - mais uma vez não por coincidência - no Oriente Médio. Em 63 a.C. os romanos tinham invadido a Palestina. Donos do maior império que o mundo havia visto até então, eles conferiam certa independência às suas colônias, desde que fossem submissas, obedientes e pagassem seus impostos. Ainda assim, a insatisfação era uma marca nos territórios dominados.
Jesus Cristo teria nascido em Nazaré, e lá crescido num vilarejo de 200 almas na zona rural da Galileia, uma região tão insignificante politicamente que nem chegou a ter sido mencionada no Antigo Testamento ou em qualquer outro texto judaico não cristão. Era uma área camponesa dedicada à criação de rebanhos, e bem longe das principais rotas comerciais do Mar Mediterrâneo que cruzavam pelo Oriente Médio. Parecia inconcebível que uma doutrina saída de lá chegasse às maiores cidades do império. Cristo em grego significa "o Ungido" (tradução para o termo hebraico Messias), e esta veio a ser a alcunha de Jesus de Nazaré.
Jesus nasceu judeu, e viveu sua vida como judeu, tendo o Cristianismo vindo a ser um desdobramento das crenças do Judaísmo. A própria hipótese de que seu nascimento teria sido na verdade em Belém, foi uma forma forjada de conciliação entre seu nascimento e as profecias associadas à Dinastia de David, numa clara influência da crença judaica, assim como a escolha de 12 apóstolos foi extremamente simbólica, estando associada à tradição das 12 Tribos de Israel.
Os registros dos discursos de Jesus revelam claramente a vida rural na Palestina, onde metade da população era de agricultores, donos de pomares e vinhedos, pastores de rebanhos, cavadores de poços, e carregadores de água. Ele repetidamente retirava da vida rural mensagens morais e religiosas em seus ensinamentos.
O único historiador judeu ativo durante o Século I d.C. no território da Palestina é a única fonte secular não religiosa a respeito do que se passava na região naquela época, um membro da aristocracia de Jerusalém chamado Flávio Josefo (37 d.C. a 100 d.C.), ou José, filho de Matias. Ele foi um dos generais da rebelião de judeus contra o domínio de Roma ocorrida em 66 d.C. e produziu os textos "A Guerra dos Judeus" e "Antiguidades Judaicas", ambos sobre a história de seu povo. Escreveu Josefo: "por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, pois ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebeu a verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre judeus quanto entre muitos de origem grega. E quando Pilatos, por causa de uma acusação feita por nossos homens mais proeminentes, condenou-o à cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram de amá-lo. E até hoje a tribo dos cristãos, que deve esse nome a ele, não desapareceu".
Os escritos do apóstolo Paulo são o mais antigo testemunho escrito sobre a figura de Jesus. Suas primeiras cartas, preservadas no Novo Testamento, datam do começo da década de 50 d.C., nas quais ele menciona pouco do que Jesus fez e disse durante a sua vida, e se concentra em duas coisas: a crucificação e a ressurreição de Jesus.
Os textos bíblicos escritos até o fim do Século I d.C. foram os 4 Evangelhos Canônicos, os Atos dos Apóstolos (escrito pela mesma pessoa que a tradição cristã conhece como sendo o evangelista Lucas), e as cartas atribuídas a Paulo. Talvez também um texto apócrifo (evangelho não canônico): o Evangelho de Tomé.
Os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas são apelidados de Sinópticos, porque parece que se tratam de três relatos paralelos sobre a vida de Jesus, às vezes com passagens quase idênticas entre si. Já o Evangelho de João expõe ideias em longos monólogos teológicos que não aparecem em outros trechos da Bíblia, e é muito mais abundante na descrição de milagres realizados por Jesus.
O Evangelho de Marcos foi escrito primeiro, e está repleto de passagens em aramaico, a língua nativa que falava Jesus. Os Evangelhos de Mateus e Lucas usaram o de Marcos como fonte, e foram escritos todos eles em grego, assim como todo o restante do Novo Testamento.
Os Evangelhos de Mateus e Lucas tem trechos em comum muito parecidos, e não citados por Marcos, o que indicaria uma fonte comum nunca encontrada, chamada de "fonte Q" ("q" é a primeira letra da palavra fonte em alemão). Estas fontes em comum envolvem basicamente falas e não narrativas, levando à hipótese de que a "fonte Q" se assemelharia mais ao Evangelho Apócrifo de Tomé, que é um conjunto de citações sem narrativas. Uma curiosidade adicional é que somente no Evangelho de João aparecem citações de Jesus nas quais há sinais considerando-o igual ao próprio Deus. Nos Evangelhos Sinópticos não há tais citações.
Já a "Última Ceia" é citada tanto nos três Evangelhos Sinópticos quanto nas Cartas de Paulo, que foram escritas entre 50 e 61 d.C., enquanto o Evangelho de Marcos foi escrito entre 65 e 70 d.C., e os Evangelhos de Mateus e Lucas teriam sido escritos por volta do ano 80 d.C.. Já o Evangelho de João teria sido escrito por volta do ano 90 d.C..
O historiador romano Tácito (56 d.C. a 118 d.C.) assim fez menção em seus registros: "para fazer calar o rumor (de que teria sido o mandante do incêndio em Roma), Nero criou bodes expiatórios e submeteu a torturas das mais refinadas a aqueles que o povo chamava de cristãos, um grupo odiado por seus crimes abomináveis. Seu nome deriva de Cristo, que durante o reinado de Tibério tinha sido executado pelo procurador Pôncio Pilatos. Sufocada por um tempo, esta superstição irrompeu novamente, não apenas na Judéia, terra onde se originou este mal, mas também na cidade de Roma, onde todos os tipos de práticas horrendas e infames de todas as partes do mundo se concentram e são fervorosamente cultivadas".
Assim, constata-se que pouco a pouco a crença no Messias crucificado foi deixando de ser uma seita na Palestina, cujos principais membros eram galileus pobres e sem instrução, e começou a conquistar adeptos entre os artesãos e a classe média das cidades de língua grega do Império Romano, com influências da escola de pensamento surgida com as obras do filósofo ateniense Platão (424 a.C. a 348 a.C.), legado filosófico que envolvia um certo "monoteísmo pagão", com uma inteligência suprema estando por trás de toda a ordem do universo.
Tanto a Grécia quanto Roma eram politeístas, com suas crenças religiosas se sustentando num panteão de deuses. O monoteísmo, ainda que não tenha sido criado pelo Judaísmo, foi nele onde aflorou com força. De dentro do Judaísmo emergiu o Cristianismo, e como logo veremos, de derivações destas religiões, alguns séculos depois, emergiria o Islamismo. São estas três vertentes aquelas que transformaram o monoteísmo num padrão característico da maior parte a humanidade. E os alicerces desta afirmação como crença se sustentaram numa vertente em comum: a corrente principal de fé num "Deus único" caminhou junto dos politicamente marginalizados, aqueles que consideravam sofrer injustiças sociais. Através de uma palavra de conforto para a alma, Yahweh, Jesus e Alá nasceram da esperança dos oprimidos por dias melhores para suas vidas.
Como já dito, Jesus Cristo transmitiu quase todos os seus ensinamentos numa língua semítica chamada aramaico, mas ele falava também hebraico e um pouco de grego. Na maior parte das primeiras igrejas cristãs na Palestina, a pregação, os cânticos e as orações eram em hebraico. Os judeus cristãos que se reuniam fora da Palestina rezavam em grego, que era a principal língua da metade oriental do Império Romano. Vítor, um norte-africano morto em 198 d.C., foi o primeiro papa a abandonar o grego e adotar o latim, que acabou se tornando o idioma dos cristãos ocidentais.
Uma grande parte do apelo que fez o Cristianismo crescer se associava à maneira prática de ajudar aos pobres e aos famintos. A crença na vida após a morte também atuou como um importante fator de atração. É provável também que a expansão cristã nos primeiros séculos esteja associada às epidemias que causaram inúmeras mortes na Europa. Os cristãos foram valorizados pelo auxílio humanitário que prestavam no cuidado dos doentes, sem exceção, independente da religião, do gênero ou da condição econômica, cuidando até mesmo dos escravos que se contaminaram.
Em seus ensinamentos, Jesus considerava a riqueza pessoal um fardo e um perigo, representando uma ameaça moral, um sinal de egoísmo e uma fonte de orgulho. Por causa disto, tanto as autoridades judaicas quanto as romanas viram em Jesus um perigo para seu prestígio e sua autoridade, e uma ameaça à sua governabilidade. Jesus rejeitava, em especial, e hipocrisia daqueles que falavam uma coisa e praticavam outra diferente. Sua mensagem também era toda baseada em compaixão e amor.
Um ator muito importante na sustentação da crença cristã após a crucificação de Jesus pelos romanos foi o já citado Paulo de Tarso. Ele nasceu na parte sul de onde hoje é a Turquia, numa próspera comunidade de judeus, ao mesmo tempo em que também era cidadão romano. Foi um soldado perseguidor de cristãos, e após uma suposta aparição de Jesus Cristo para ele, tornou-se um discípulo cristão fervoroso. As Epístolas de Paulo foram os primeiros documentos escritos por um cristão que ficaram conhecidos na história. Por suas pregações, por volta do ano 60 d.C., Paulo de Tarso chegou preso a Roma, onde acabou executado.
A década entre os anos 60 e 70 d.C. foi perigosa para a nova igreja e seus líderes. Em 62 d.C., Tiago, irmão de Cristo, e na época bispo de Jerusalém, foi morto. Pedro, seu antecessor, o primeiro papa, tinha fugido de Jerusalém, mas acabou preso e condenado à morte em Roma. Na capital do grande império ficaram então sepultados os dois mais famosos mártires da Igreja Cristã: Pedro e Paulo.
Mas a força da palavra religiosa do Cristianismo não conseguiu ser contida pelo Império Romano, muito pelo contrário, cursou uma trilha crescente de adeptos até alcançar um local que nos primeiros séculos parecia inimaginável.
Em 306 d.C., Constantino se tornou o Imperador de Roma. Sua mãe, Helena, era cristã. Um ano depois, ele autorizou que todos os cidadãos fossem livres para escolher sua religião, acabando com as perseguições aos cristãos. Em 312 d.C., foi além, quando transformou o Cristianismo na religião oficial do Império Romano, tendo transformado o domingo num dia santo, no qual ninguém deveria trabalhar (Jesus Cristo tinha sido morto num domingo) e abolido de forma definitiva a prática da crucificação em todo o império. A partir de 330 d.C., ele viria a definir a cidade de Bizâncio, local de nascimento de sua mãe, como a capital do Império Romano Oriental, tendo o nome da cidade mudado para Constantinopla (hoje chamada Istambul), enquanto Roma ficou sendo a capital do Império Romano Ocidental.
Foi em meio a esta fase de enormes transformações que foram moldadas as bases que alimentariam a fé católica. Em 247 d.C., A Igreja Católica havia definido a data de celebração do Natal - nascimento de Jesus Cristo - em 25 de dezembro, que é a data do solstício de inverno no hemisfério norte. A Páscoa foi definida para ocorrer no mesmo final de semana da Passach, festa judaica que celebra a libertação dos hebreus da escravidão no Egito em 1.446 a.C. que era determinada pelo equinócio de primavera no hemisfério norte e pela lua cheia.
Em 325 d.C. aconteceu o Concílio de Niceia (cidade hoje chamada Iznik), realizado próximo a Constantinopla. Este concílio definiu a unificação de todos os conceitos da Doutrina Católica e rechaçou a Doutrina de Ário, também chamada como Doutrina Ariana (cujo nome não tem absolutamente nenhuma relação com o conceito étnico ariano associado a uma civilização proto-indo-europeia originada na região de Ária, que fica onde hoje está o Irã, a qual veio a dar sustentação à crença nazista). Ário viveu e pregou em Alexandria, no Egito, e a sua doutrina colocava Deus acima de Cristo, não como iguais. Esta doutrina acabou ganhando a simpatia dos povos bárbaros (aqueles que não tinham escrita), como godos, ostrogodos, visigodos e vândalos. Os defensores desta doutrina passaram então a ser chamados de heréticos. Desta forma, a partir do Concílio de Niceia prevaleceu a crença cristã na Santíssima Trindade.
Por volta de 350 d.C., em torno da cidade de Cartago, na região onde hoje estão Argélia e Tunísia, no norte da África, havia a maior concentração de cristãos, maior até do que em Roma, Constantinopla e Alexandria. Nesta região, em 354 d.C., nasceu Agostinho de Hipona, que se tornaria um seguidor de Manes (os Maniqueístas). Ele veio a viver primeiro em Roma e depois em Milão, e se tornou o mais influente pensador católico daqueles tempos. Ele descendia dos berberes (um grupo nômade das montanhas) e era filho de um pagão e uma cristã. Em essência, sua doutrina pregava que Deus sabia com antecedência tudo que aconteceria na vida dos cristãos, acrescentando outro sustentáculo da fé do Cristianismo.
Outro pilar surgiu a partir de 320 d.C., quando começou a existir o conceito de mosteiros, lugares com o propósito de uma vida exclusivamente de reza e evolução espiritual, e de renúncia ao mundo exterior e seus prazeres, pois o corpo deveria ser domado por uma série de regras para que o espírito e a alma se transformassem e triunfassem. Os mosteiros mais influentes surgiram primeiro na região do Egito, onde foi fundado o Mosteiro de Pacômio. Depois, em 330 d.C., é construído o Mosteiro de Basílio, na Capadócia, onde hoje é a Turquia. Algumas décadas depois também na França, com o Mosteiro de Martinho. Todos com uma doutrinação em defesa da meditação e do silêncio.
Embora comer em silêncio e se afastar das mulheres não fossem ideias pregadas por Jesus Cristo, esta forma de vida foi amplamente adotada pela Igreja Católica, vindo a crescer ainda mais a partir do ano 500 d.C., quando Bento de Núrcia construiu a maior rede de mosteiros da Europa, tendo a partir dela fundado a Ordem dos Beneditinos.
Mais uma nova grande era de transformações aconteceu na crença cristã a partir da queda do Império Romano, invadido entre 493 a 540 d.C. pelos "povos bárbaros" (hunos, ostrogodos, visigodos, anglos, saxões e francos). Foi então que Ravena, cidade próxima a Florença e Veneza, substituiu a Roma como a capital da parte ocidental do Império Romano, sob autoridade de monarcas e bispos seguidores da sobrevivente Doutrina de Ário.
A queda definitiva do Império Romano do Ocidente aconteceu com a destituição do imperador Rômulo Augusto em 476 d.C., data que é considerada historicamente como o início da Idade Média na Europa, fase que se estenderia até o início da Era das Navegações Transoceânicas que cruzaram o Atlântico. Com a queda do Império Romano do Ocidente, o Catolicismo viveu então mais uma fase de revisão e reafirmação de suas crenças.
Foi a partir da fragilidade política do Império Romano que se abriu margem para o surgimento de uma outra daquelas que vieram a ser uma das maiores crenças religiosas da humanidade: em 610 d.C. Maomé tem o despertar do Islã num sonho que teve com Abraão, Moisés e Jesus, após o qual ele teria começado a escrever o Alcorão (Al-Quran), o livro sagrado do Islamismo, no qual Jesus, o Nazareno, é citado 14 vezes, sendo descrito como um profeta notável, mas não tão sábio quanto o próprio Maomé.
No início de sua pregação religiosa, Maomé vivia na cidade de Meca, um importante ponto na rota comercial entre a Índia e a Europa, uma cidade que recebia muitos peregrinos religiosos que viajavam para ver a Sagrada Pedra Negra. Em 622 d.C., a perseguição a sua ideologia religiosa causou a sua fuga de Meca para a cidade de Yathrib (que mais tarde passou a se chamar Medina, o que significa "Cidade do Profeta"). Esta data representa o marco de início do calendário islâmico, a Hégira, que simboliza o fortalecimento da unidade árabe em torno de um novo sistema de crenças e uma identidade comum.
Foi em Medina onde ele conseguiu estabelecer uma base politicamente sólida para a propagação de sua fé, criando uma comunidade coesa (Ummah) a partir da qual conseguiu transcender as divisões tribais e integrar as várias tribos árabes sob uma única crença, que ele logo viria a tornar dominante em toda a Península Arábica. Ele uniu uma grande força militar que, em 630 d.C., liderada por ele na frente de batalha, invadiu e conquistou Meca, a cidade mais rica e poderosa da região, marco a partir da qual ele conseguiu realizar a Unificação das Tribos Árabes.
Logo em seguida, em 632 d.C., vem a ocorrer a morte de Maomé, mas a força de sua liderança não morreu com ele. Em 635 d.C. o exército islâmico invadiu Damasco, e no ano seguinte invadiu Jerusalém, que permaneceria sob controle islâmico pelos 1.100 anos seguintes, até vir a ser reconquistada pelas Cruzadas. O Califado Ortodoxo declara a partir de então que a cidade de Jerusalém era a terceira cidade mais sagrada do Islã, depois de Meca e Medina.
A Unificação das Tribos Árabes formou uma importante força militar, que se juntou em prol de espalhar as suas crenças. Todo o litoral norte da África acabou conquistado pelos muçulmanos antes de 675 d.C.. Em 711 d.C., o exército do Islã conquistou Gibraltar, colocando um pé na Europa, e nos dez anos seguintes tomou os territórios inteiros de Portugal e Espanha, além do sul da França, tendo em 713 d.C. conquistado Sevilha, o mais importante porto de então na Península Ibérica. Esta expansão islâmica também se deu pela Ásia, tendo em 712 d.C. sido conquistada Samarcanda, onde hoje é o Uzbequistão, e Multan, onde hoje é o Paquistão. A mais simbólica das conquistas, no entanto, aconteceu em 846 d.C., quando cavaleiros muçulmanos invadiram e pilharam a cidade de Roma.
Em pouco mais de um milênio as religiões do mundo tinham vivido uma enorme transformação, segmentadas em três grandes grupos de crenças dominantes: em 900 d.C., o Islamismo, o Budismo e o Cristianismo eram a ampla maioria nas crenças que se espalhavam na Eurásia e no norte da África. Somente as Américas, o centro-sul da África, a Nova Guiné e a Austrália ainda não estavam sob influência de pelo menos uma destas três religiões. A solidificação e unidade de tais crenças teve um importante papel para fortalecer as relações mercantis e econômicas entre estes continentes, pois as religiões eram geradoras de confiança numa época na qual os comerciantes em terras estranhas precisavam construir relações de afabilidade para que contratos e acordos verbais pudessem ser honrados.
Com a queda do Império Romano e a ascensão do Islamismo, houve uma definitiva cisão no Cristianismo: o papa vivia em Roma e era o chefe da Igreja Católica Romana, e o patriarca vivia em Constantinopla e era o chefe da Igreja Ortodoxa Bizantina. Nas igrejas católicas, a reza era em latim, e na ortodoxa era em grego. Na católica, os padres viviam em celibato, na ortodoxa podiam se casar e ter filhos, ainda que nesta os bispos devessem viver em celibato. Logo, se um padre se tornava bispo na Igreja Ortodoxa, ele tinha que abandonar a família e a esposa e ir viver em um Convento de Monjas.
Ao longo dos séculos seguintes, a Igreja Ocidental sediada em Roma viria a ser o ramo mais fraco do Cristianismo, cuja força maior por alguns séculos, até o acontecimento das Cruzadas, esteve centrada em cinco diferentes pátrias que abrigavam as crenças da Igreja Ortodoxa, sendo elas: Sérvia, Geórgia, Rússia, Grécia e Bizâncio.
A Igreja Católica estava acuada geograficamente na região central e noroeste da Europa, em tempos nos quais já não se escolhia mais o papa por mérito, mas sim ou por pressões políticas dos donos de terra na Itália ou por ameaças dos imperadores germânicos. Em 1.012 d.C., a história dos papas era impressionante: 6 tinham sido assassinados nos 140 anos anteriores, tendo um deles (Leão V) sido morto por seu sucessor, e outro (João XII) morrido nos braços de uma mulher casada quando tinha tão só 18 anos de idade. Roma se recuperava de um longo período de desonra, e a França havia se tornado o centro da cristandade, onde se destacavam as influências do Mosteiro Beneditino de Cluny e da rede de Mosteiros Cisterciense, todos focados na simplicidade, na clausura e na renúncia ao luxo.
Em 1.095 d.C., na França, o papa Urbano II, um ex-monge do Mosteiro Beneditino de Cluny, tomou uma decisão que afetou a todos os séculos seguintes: ele organizou uma das mais notáveis e ousadas aventuras da história, as Cruzadas, peregrinações militares em massa que buscavam, e conseguiram, reconquistar Jerusalém. Como símbolo deste movimento político-militar, só então a representação de Jesus Cristo pregado na cruz passou a ser comum, pois se tornou símbolo deste movimento.
Em 1.096 d.C., a 1ª Cruzada reuniu 20 mil participantes que cruzaram a Europa rumo a Constantinopla. Em 1.098, a Antioquia foi reconquistada, e em 1.099 reconquistaram Jerusalém, matando cerca de 50 mil muçulmanos e judeus que ali viviam.
Impulsionados pela autoconfiança trazida por esta reconquista, e pelo novo poder econômico emanado do movimento, a Igreja Católica tomou novos rumos, nos quais o principal objetivo passou a ser o de fortalecimento e solidificação de seu poder político. Como um marco desta nova fase, em 1.140 d.C. foi construída a primeira catedral ao estilo gótico, em Sens, na França. O mundo ocidental jamais havia visto tanto vidro junto como havia em seus vitrais.
Uma revisão da doutrina também foi levada a cabo, tendo entre 1.170 e 1.180 d.C. surgido o conceito do purgatório, um lugar onde as almas esperariam para pagar seus pecados antes de entrarem no reino dos céus. Foi a partir do surgimento deste conceito que emergiu a prática da igreja cobrar indultos para aliviar o tempo de espera no purgatório.
Ao mesmo tempo, como em uma versão inicial de assistência social do Estado, a Igreja Católica mantinha por toda a Europa a albergues para os idosos, orfanatos para jovens, hospitais para os enfermos, leprosários para atender aos afetados pela praga da hanseníase, e hospedarias onde os peregrinos podiam encontrar cama e comida a um bom preço. Em tempos de escassez, a igreja funcionava como o maior fornecedor de pão e outros produtos essenciais, como o sal. Mas a Igreja Católica também possuía plantações e inúmeros imóveis, inclusive prédios luxuosos, e era a maior proprietária de terras do continente. Tudo, sobretudo, financiado pelas contribuições (dízimo) recebidas.
Ambiguamente, as novas diretrizes também fizeram nascer os maiores pilares de transmissão do conhecimento acumulado, com o surgimento das universidades como um resultado do trabalho da Igreja Católica, tendo os primeiros cursos sido os de medicina, teologia e direito canônico. As primeiras universidades surgiram na Itália, depois se replicando na Inglaterra, na Espanha e em Portugal. Entre as primeiras universidades do mundo estão as de Salerno (fundada em 802 d.C.), Bolonha (fundada em 1.088 d.C.), Oxford (fundada em 1.096 d.C.), Salamanca (fundada em 1.243 d.C.) e Coimbra (fundada em 1.290 d.C.), as quais se dedicaram bastante ao propósito de estudo do direito, notadamente resgatando as bases já quase esquecidas do direito romano. Quase todas elas tiveram em comum a características de terem sido construídas afastadas dos centros de poder, a exceção tendo sido a Universidade de Paris.
Em 1.187 d.C. os turcos retomaram Jerusalém, mas isto em nada mudou as bases da estrutura solidificada pelas Cruzadas na Europa, as quais deixaram uma marca definitiva dentro do Cristianismo: houve a ampliação da cisão entre Católicos e Ortodoxos, e uma nova base econômica europeia, com uma intensificação na rivalidade comercial entre Gênova e Veneza que marcou as relações políticas no continente nos séculos seguintes; e até mesmo com o surgimento de uma nova instituição, os bancos, cruciais para a sustentação dos movimentos de peregrinação religiosa que partiam dos diferentes pontos da Europa até o Oriente Médio.
Foram anos de intensas mudanças dentro da própria Igreja Católica: em 1.181 d.C. nasceu na Itália o reformador Francisco de Assis, que renunciou à riqueza do pai e partiu como peregrino, pregando contra a riqueza e o materialismo, e contra a ameaça moral do brilho das moedas. Ele foi seguido por milhares, o que o levou a fundar a Ordem dos Frades Franciscanos. Em 1.216 d.C., o espanhol Domingos de Guzmán, um outro cristão a ter renunciado à riqueza do pai para fazer votos de pobreza e atrair milhares de seguidores, fundou a Ordem dos Dominicanos, os quais ficaram famosos como oradores e conversores de heréticos. Após a sua morte, suas ideias viriam a ser renovadas por Tomás de Aquino, outro influente pensador reformista da doutrina católica. Franciscanos e dominicanos ficaram sendo chamados de frades pedintes, e alimentavam grandes rivalidades filosóficas entre si. Na década de 1.490 d.C., quando novas rotas marítimas foram abertas para a Ásia e as Américas, foram franciscanos e dominicanos aqueles que frequentemente seriam os primeiros a embarcar para levar a palavra de Cristo e converter a estes novos povos, em história para a qual regressaremos mais para frente.
As cisões políticas dentro da Igreja Católica se tornaram constantes. Em 1.309 d.C., um novo papa eleito, Clemente V, decidiu não ir para Roma e permanecer vivendo em Avignon, na França. Pelos 70 anos seguintes, o papado governaria a igreja do sul da França e não mais de Roma, até que Urbano V decidiu para lá regressar. Entretanto, ele viria a falecer um ano depois e a sua sucessão seria extremamente conflituosa. Nos trinta anos seguintes a Igreja Católica teve dois papas ao mesmo tempo - um em Roma e outro em Avignon - com o "papa romano" tendo apoio dos países de língua alemã, mais Hungria, Polônia e Inglaterra, enquanto o "papa francês" era apoiado por França, Espanha, Escócia, Savóia, Nápoles, Sicília e pelo sul da Itália.
Um Concílio em Pisa, em 1.409 d.C., destituiu os dois papas rivais e elegeu a um novo (Alexandre V), mas a cisão continuou, com os papas não aceitando a decisão do concílio, o que levou a que houvessem três papas ao mesmo tempo! Um novo concílio, em 1.417, destituiu os três papas e elegeu a Martinho V, tendo daí em diante o poder sido reunificado em um único papa a governar à igreja desde Roma. Daí em diante, nunca mais um francês viria a ser escolhido como papa.
Além das ameaças internas, havia uma ameaça externa que era ainda maior: em 1.453 d.C. os otomanos conquistaram Constantinopla, naquela que foi a maior matança presenciada pela humanidade até então, a qual levou o centro da Igreja Ortodoxa a se mover para a Rússia. Com isto, as quatro grandes cidades da cristandade no Oriente - Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém - estavam nas mãos dos muçulmanos. Somente restava Roma como único grande centro cristão.
O Cristianismo esteve então diante da emersão de sua última grande transformação. Em 1.517 d.C., Martinho Lutero pregou um documento com 99 teses citando e condenando as práticas da igreja (principalmente a venda de indulgências para o perdão dos pecados ou em favor dos mortos, e os excessos de luxúria dentro de vários mosteiros). O documento foi pregado em Wittenberg, na Alemanha. É importante notar que havia também um viés político por detrás de seus novos ideais, pois seus argumentos também tinham um caráter nacionalista, já que para ele Roma estaria roubando as riquezas da Alemanha, uma vez que paralelamente às reinvindicações de Lutero, a Europa vivia uma revolta de camponeses contra as porcentagens de grãos produzidas que deviam ser repassadas à igreja e aos donos de terras.
A propagação de suas ideias ganhou força por uma coincidência do destino: Wittenberg, onde Lutero pregou suas teses, era a região que vinha comandando o surgimento de uma nova tecnologia, a impressão de livros. Por conta disto, a "Reforma Protestante" foi catalisada e se espalhou rapidamente por todo o continente europeu, reverberando entre outros importantes reformadores, como Erasmo de Roterdã, na Holanda, e Ulrico Zuínglio, em Zurique, na Suíça. O Protestantismo questionava a Bíblia e era contra o celibato, afirmando que o texto sagrado não mencionava qualquer proibição ao casamento. Tanto Lutero, quanto Erasmo e Zuínglio, todos três se casaram e tiveram filhos.
Tais princípios reverberariam também na Inglaterra onde, em 1.533, na busca por ter a um filho homem, o rei Henrique VIII rejeitou à sua esposa, Catarina de Aragão, com quem havia tido apenas filhas mulheres, e se casou com Ana Bolena, dama de companhia de sua ex-mulher. Excomungado pelo papa, ele fundou então a Igreja Anglicana, ainda que continuasse se considerando católico e sendo um combatente das ideias dos Luteranos.
O Protestantismo ecoou por toda a Europa. A partir de 1.536 d.C., um outro reformador viria a se tornar extremamente influente, o francês João Calvino, atuante em Genebra, na Suíça. As duas principais frentes de sustentação da nova doutrina foram Luteranos e Calvinistas que, por sua vez, influenciaram John Knox a fundar na Escócia a Igreja Presbiteriana. Os movimentos protestantes se multiplicavam!
É importante que seja prestada atenção às datas, pois todas estas rupturas coincidiram com o período no qual as navegações transoceânicas tinham descoberto novas terras no que hoje é chamado de Américas, fato que levou a profundas reflexões sobre as crenças vigentes.
Como reação às novas ideologias protestantes, foi instalada a mais abrangente reunião da história do Cristianismo para deliberar sobre as controvérsias que passaram a existir entre o norte da Cordilheira dos Alpes (cada vez mais protestante) e o sul dos Alpes (ainda solidamente católico). O local escolhido foi o norte da Itália, onde foi organizado o Concílio de Trento, que se iniciou em 13 de dezembro de 1.545.
Os Luteranos só apareceram no sexto ano do concílio, e ainda assim a sua estadia foi breve, indicando que as frentes ideológicas pareciam irreconciliáveis. O Concílio de Trento só foi concluído em dezembro de 1.563, dezoito anos após o seu início, e determinou um conjunto de ações que ficou conhecido como "Contra-Reforma Católica". Corajosamente, o resultado do concílio reconheceu que a Igreja Católica precisava de mudanças. A principal decisão foi a criação de seminários para treinar os padres, dado que muitos não conheciam o que estava escrito na Bíblia. A venda de indulgências foi suspensa, mas se reafirmou a crença no celibato dos padres. Entre seus resultados, surgiram ordens como a dos Capuchinhos, que reviviam os ideais franciscanos, a das Carmelitas, sob a liderança da espanhola Tereza de Ávila, e a dos Jesuítas, baseada nos pensamentos do espanhol Ignácio de Loyola, esta última ordem que viria a ter um papel de destaque na catequização dos povos encontrados do outro lado do Oceano Atlântico.
Curiosamente, foi mais uma vez por vias tortuosas e não inicialmente planejadas que veio a se dar mais uma grande transformação da humanidade: enquanto a tradição católica se baseava na hierarquia, os protestantes enfatizavam a leitura individual da Bíblia e o relacionamento direto destes indivíduos com Deus, e desta forma estimulavam a leitura generalizada da Bíblia tanto por homens quanto por mulheres, o que indiretamente resultou numa massificação da educação, que veio a crescer a partir de então. Se em 1.500 apenas 1% das mulheres na Europa sabia ler, em 1.750 já eram 40% as que sabiam.
Uma outra característica indireta marcante para os séculos seguintes se deu na doutrinação dos novos povos encontrados vivendo nas Américas. O celibato acabou tendo um papel central na propagação do Catolicismo no "Novo Mundo", pois os padres protestantes tinham famílias, e por isto não se dispunham a aventuras que duravam meses, e nas quais apenas a metade dos viajantes regressava com vida. Assim, seriam os padres católicos aqueles que viriam a doutrinar as novas terras.
Levaria bem mais tempo para que o Protestantismo chegasse à América. Chegaria somente a partir de 1.660 d.C. no norte dos Estados Unidos, que então começou a ser ocupado por protestantes (Calvinistas, Congregacionistas e Anglicanos) refugiados em busca de liberdade religiosa e fugidos dos conflitos político-religiosos na Grã-Bretanha. Estes imigrantes chegaram com suas famílias inteiras. Duas novas igrejas protestantes surgidas na Grã-Bretanha vieram a crescer em especial nos Estados Unidos a partir de então, os Batistas e os Metodistas.
Ao incentivar a discussão sobre o significado de muitos trechos da Bíblia, os protestantes indiretamente favoreceram o debate sobre os princípios básicos do Cristianismo, e assim abriram caminho para que outros pensadores criticassem os conceitos religiosos. O Deísmo cresceu em influência no Século XVIII na França, na Prússia e na Inglaterra, um movimento que acreditava que Deus criou tudo, mas que não intervinha sobre a vida humana.
Cada vez mais as crenças da humanidade eram impactadas pelo avanço do conhecimento humano acumulado: Nicolau Copérnico, na Polônia; Galileu Galilei, na Itália; Isaac Newton, na Inglaterra; René Descartes, na França; e Christiaan Huygens, na Holanda (entre outros cientistas e matemáticos) começaram a provar que o universo e a vida funcionavam regidos por leis naturais que eram explicáveis.
Entre os anos 1.750 e 1.760, Jean-Jacques Rousseau, originalmente um calvinista, de Genebra, desafiou a tese de que a humanidade carregava a mancha do pecado original cometido no Jardim do Éden, como afirmava a Doutrina Católica; para ele o ser humano nascia bom, era a civilização quem o corrompia. Na onda de contestações que se seguiram, com a Revolução Francesa, o Ateísmo (crença de que não existia Deus) apossou-se do pedestal da França revolucionária na década de 1.790.
Toda a sorte de novas ideologias passa a emergir por todos os lados: nos Estados Unidos, na década de 1.820, Joseph Smith afirmava ter descoberto escritos antigos preservados em placas de ouro que mencionavam uma tribo perdida de Israel que havia vivido nos EUA em 600 a.C., e que Jesus, após a sua ressurreição, teria visitado tal tribo, a qual ainda existia por lá. As verdades desta sua crença estariam no “Livro dos Mórmons”, que era o principal documento da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, fundada por ele.
A diversificação de ideias se manifestava dentro do próprio Catolicismo, com novas ordens católicas surgindo na Europa no Século XIX. Na França, em 1.824 foi fundada a Companhia de Maria (Ordem dos Maristas), em 1.830 foi criada a Sociedade de São Vicente de Paulo, e em 1.859, e Turim, na Itália, foi fundada a Pia Sociedade de São Francisco de Sales (Ordem dos Salesianos). O papado em Roma representava uma longa tradição de conservadorismo, mas a tradição, ora fonte de força, tornou-se um obstáculo quando o mundo à sua volta se transformava muito rapidamente: o papa Pio IX via o liberalismo e o avanço da democracia como inimigos perigosos da igreja, assim como condenava ao comunismo e a aspectos do socialismo.
A Revolução Russa de 1917 foi mais um duro golpe deferido nos cristãos: Lenin classificou o Cristianismo como "uma das coisas mais odiosas da face da Terra". A Igreja Ortodoxa, aliada dos czares, foi perseguida, com todos os seminários tendo sido fechados. Doutrinar religiosamente a menores de 18 anos se tornou um crime passível de cadeia na Rússia, que proibiu também a comemoração da Páscoa e do Natal a partir de 1.923.
Em 1.900, ninguém poderia prever o rápido declínio da Europa como coração do Cristianismo. Ideologicamente acuado, o Cristianismo buscou se refazer de suas cisões a partir de então. Em Jerusalém, em 1.964, o papa católico e o patriarca ortodoxo voltaram a se encontrar pela primeira vez em séculos. O último encontro entre as duas autoridades religiosas havia sido em 1.439, tendo havido 5 séculos sem que eles sequer se cumprimentassem.
Em 1.978 d.C. foi eleito o papa João Paulo II, nascido na Polônia com origem em família humilde, e um ativista contra o Comunismo no Leste Europeu. Era o primeiro papa não italiano em 4 séculos. Ele foi papa até 2.005 e representou o segundo mais longo pontificado da história até então. O "papa peregrino" viajou pelo mundo, com a soma das distâncias percorridas em suas viagens tendo excedido a soma de todas as distâncias percorridas por todos os papas nos mil anos anteriores.
O Cristianismo tinha passado por uma profunda mudança estrutural: em 1.999, mais da metade das pessoas do mundo que receberam o sacramento do batismo católico vivia ou na América Latina e ou na África, lugares que também tinham sido o reduto de uma nova onda de expansão das Igrejas Protestantes no Século XX, através das novas Igrejas Pentecostais, as quais acrescentaram mais seguidores ao Protestantismo do que a Reforma original tinha atraído com Lutero, Calvino, Zuínglio e Henrique VIII. O Cristianismo havia perdido a sua unicidade ao longo do tempo, mas a crença Cristã - alicerce para Católicos, Ortodoxos, Protestantes e Pentecostais - atingia a 31% da crença total da população mundial no início do Século XXI, ainda sendo a mais abrangente da humanidade espalhada por todo o planeta.
O Islamismo abarcava a outros 25% da crença global. Assim a tríade monoteísta formada por uma mesma origem - Judaísmo, Cristianismo e Islamismo - alcançava junta a 56% das crenças humanas do planeta. Juntando-as às maiores crenças religiosas nascidas na Ásia, o Hinduísmo que alcançava a 15% das crenças existentes no planeta no início do Século XXI, e o Budismo, que atingia aproximadamente 7%, estas cinco crenças religiosas cujas histórias de desenvolvimento e crescimento foram aqui citadas, somavam juntas a aproximadamente 78% das crenças humanas, ou seja, eram as crenças de quatro em cada cinco seres humanos na Terra. As crenças dos pouco mais de 20% dos demais seres humanos se dividem entre o Ateísmo, o Agnosticismo, o Espiritismo, e as Religiões de Matrizes Africanas (especialmente o Candomblé, a Umbanda, a Quimbanda e o Xangô).
Todas as crenças, entretanto, viveram algum nível de enfraquecimento ao fim do Século XX, quando pela primeira vez na história várias doenças - cuja ausência de cura alimentava o credo religioso - tinham sido tratadas e curadas pela ciência. Assim, havia um menor incentivo social para se recorrer a livros sagrados e crenças de qualquer religião nos momentos de dor e de desespero. Se antes as pessoas se satisfaziam com explicações baseadas no sobrenatural, passaram a recorrer com maior frequência à ciência, à lógica e à razão, as bases que sustentaram o avanço dos nossos conhecimentos. Mas após toda a força que exerceram sobre a humanidade ao logo de milênios, tais crenças seguem representando uma importante marca na identidade cultural da civilização humana.
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