Um texto redescoberto em 2013, revelou que escritos antigos indicam que marinheiros de Gênova - a cidade natal italiana onde teria nascido Cristóvão Colombo - já tinham escutado referências a terras a oeste da Groenlândia, em área onde está a América do Norte, por volta de 1340 d.C. (a estimativa é de que tal texto tenha sido escrito no período entre 1339 e 1345) ou seja, 150 anos antes da famosa "Descoberta de Colombo".
O autor deste antigo documento do Século XIV foi o frade milanês Galvaneus Flamma (Galvano Fiamma, em italiano) - um padre da ordem dominicana - cujo texto foi destacado em publicação do professor Paolo Chiesa, do Departamento de Estudos Literários, Filologia e Linguística da Universidade de Milão, um especialista em literatura latina medieval.
Em 2013 foi Sante Ambrogio Céngarle Parisi - professor italiano laureado em literatura grega antiga, e um especialista em história da cartografia - quem identificou, pela primeira vez, a "Cronica Universalis", chamando atenção para a obra, um manuscrito escrito por um copista chamado Pietro Ghioldi (Petrus de Guioldis, em latim) também responsável pela transcrição de outras obras históricas de Galvaneus Flamma.
Os manuscritos das obras de Galvaneus transcritos por Ghioldi são frequentemente defeituosos, não tanto por sua inadequação como copista, mas sim porque ele teve que lidar com modelos inconsistentes. Há evidências de que ele usou alguns manuscritos incompletos e inacabados deixados por Galvaneus, documentos muitas vezes difíceis de ler e repletos de notas marginais e imprecisões.
Nessa situação, Ghioldi cometeu muitos erros ao transcrever palavras incomuns (por exemplo, nomes pessoais e geográficos) e deixou em aberto vários problemas na estrutura geral do trabalho (duplicações de frases, falta de números de capítulos, referências cruzadas internas incongruentes, etc). No entanto, ele era um copista profissional e bastante correto onde as palavras em latim eram mais facilmente compreensíveis ou quando o antígrafo era inequivocamente legível. Na verdade, a atitude de Ghioldi em relação ao texto testemunha a favor de uma fidelidade substancial aos modelos originais de Galvaneus.
Galvaneus Flamma era ligado a uma família que governava sua região, e deixou escritas várias obras literárias em latim, principalmente sobre temas históricos. Ele nasceu em 1283 e viveu na cidade de Milão, onde tinha relação estreita com a Casa de Visconti, que então governava a cidade. Segundo seu texto, tais terras eram denominadas Marckalada (nome provavelmente reproduzido assim pelos marinheiros italianos que receberam tais relatos como uma derivação de Markland, que era o nome dado pelos nórdicos).
Paolo Chiesa apresentou tais evidências em uma publicação na revista científica Terrae Incognitae. Como ele mesmo definiu: "Estamos na presença da primeira referência ao continente americano na região do Mediterrâneo, ainda que de forma embrionária". São evidências sem precedentes de que notícias sobre terras onde hoje é o continente americano circularam na região do Mar Mediterrâneo um século e meio antes de Cristóvão Colombo chegar a ele. O texto faz menção a informações citadas por marinheiros genoveses recebidas de fontes islandesas a respeito de terras a oeste da Groenlândia; estima-se que se referindo a terras na região de Labrador ou Terra Nova, onde hoje está o Canadá.
Estas referências aparecem num texto intitulado "Cronica Universalis", que seria possivelmente uma das últimas obras de Galvaneus Flamma – talvez a última – pois foi deixada inacabada e sem aperfeiçoamento. Seu objetivo com ela era detalhar a história de todo o mundo, desde a "Criação" até aqueles dias. As citações eram rumores vagos que teriam chegado a Gênova sobre tais terras, tanto que não foram consideradas suficientemente consistentes a ponto de entrar nas representações cartográficas ou acadêmicas da época como uma nova terra. A menção a Marckalada aparece no terceiro livro de "Cronica Universalis", quando o autor insere uma longa digressão geográfica referente a áreas consideradas exóticas: extremo oriente, terras árticas, ilhas oceânicas e a África.
A Marckalada descrita por Galvaneus era "rica em árvores" e animais viviam lá. Esses detalhes podem ser padrão - como distintivos de qualquer boa terra - mas não são triviais, porque a característica comum das regiões do norte que eram conhecidas naquela época pelos genoveses comuns eram de terras desoladas e áridas, como na verdade a Groenlândia foi descrita no relato de Galvaneus, ou como a Islândia foi descrita por Adão de Bremen.
As cartas portulanas (náuticas) do Século XIV, desenhadas em Gênova e na Catalunha, já ofereciam uma representação geográfica mais avançada do norte, o que certamente foi alcançado por meio de contatos diretos com essas regiões dos Mares do Norte. Estas noções sobre o noroeste provavelmente chegaram a Gênova por meio das rotas de navegação para as Ilhas Britânicas e para as costas continentais do Mar Ártico. Foram os casos da carta de João de Carignano e de Angelino Dulcert, que é considerado o elo entre a prática cartográfica de Gênova e a de Mallorca.
Em "Cronica Universalis", Galvaneus declara em todo o documento onde ouviu falar de histórias orais, e apoia suas afirmações com elementos extraídos de relatos (lendários ou reais) pertencentes a tradições anteriores em diferentes terras, mesclados juntos e reatribuídos a um local específico.
Não haveria evidências de que marinheiros genoveses ou catalães tenham chegado à Islândia ou à Groenlândia naquela época, mas eles certamente foram capazes de adquirir mercadorias daquela origem do norte da Europa para serem transportadas para a região do Mar Mediterrâneo. Neste contexto, os genoveses devem ter levado à sua cidade notícias espalhadas sobre estas terras - mais uma vez: algumas reais e outras fantasiosas e lendárias - que ouviram nos portos do norte de marinheiros escoceses, britânicos, dinamarqueses e noruegueses com quem eles estavam negociando.
Este novo contexto compõe uma peça a mais na história para se somar às evidências da presença dos Vikings na América do Norte. Desde a Década de 1960, sabe-se que os Vikings chegaram ao continente pelo norte antes de que a expedição de Cristóvão Colombo partisse da Espanha e chegasse à América Central em 1492. Um sítio nórdico na América, o "L’Anse aux Meadows", foi descoberto como sendo um local de assentamento Viking datado de em torno de 1.000 d.C., região que diversas fontes escritas, especialmente islandesas, mencionaram como Markland. Um texto de 1340 fazendo menção a terras chamadas Marckalada a oeste da Groenlândia - uma palavra com uma inquestionável semelhança gramatical com Markland - e ainda fazendo citação a tradições de conhecimento oral adquiridas por italianos que tinham tido contatos com marinheiros do norte da Europa, é uma evidência fortíssima a mais sobre a presença de europeus na América muito antes de Colombo.
Só há uma única cópia existente do livro Cronica Universalis, tendo ela sido rastreada por pesquisadores até um colecionador particular em Nova York. A equipe liderada por Paolo Chiesa pode visualizar o manuscrito, e com autorização do possuidor de tais documentos, pode preservá-lo através de imagem digital. Durante a tradução do texto, a equipe se deparou com a passagem em questão: "Mais para o oeste há outra terra, chamada Marckalada, onde vivem gigantes. Nesta terra, há construções com placas de pedra tão enormes que ninguém poderia construí-las, exceto enormes gigantes. Há também árvores verdes, animais e uma grande quantidade de pássaros".
Aqui o trecho ainda permite uma abertura para especulação. Ao mencionar "construções de pedras enormes que só poderiam ser feitas por gigantes", e sabendo-se que não há indícios de pirâmides de pedra de civilizações antigas na região do Canadá, estando estas em abundância mais ao sul, em terras onde hoje está o México, seria natural especular até onde estes marinheiros nórdicos poderiam ter descido pelo litoral da América do Norte. Mas não há qualquer evidência ainda que faça desta possibilidade algo mais do que mera especulação.
Enquanto novas evidências são buscadas para complementar este quebra-cabeças, o que a história tradicional conta é que Cristóvão Colombo (Cristoforo Colombo em italiano, Christophorus Columbus em latim, ou Cristóbal Colón em espanhol) navegou financiado pela Coroa Espanhola, partindo de Palos de la Frontera, na Espanha, em 3 de agosto de 1492, com o objetivo de dar a volta ao globo e chegar à Índia, tendo aportado em 12 de outubro numa ilha centro-americana. Ele fez outras três viagens às Américas, em 1493, 1498 e 1503, e veio a falecer em 1506 em Valladolid seguro de ter chegado à Índia. Por isso dizem que Cristóvão Colombo partiu sem saber para onde estava indo, aportou sem saber onde tinha chegado, e voltou sem saber explicar aonde havia estado.
Foi o florentino Américo Vespúcio o explorador que estabeleceu o conceito revolucionário de que as terras para as quais o genovês havia navegado eram parte de um continente separado. Ele fez parte de uma expedição financiada pela Coroa Portuguesa que em 1502 percorreu o litoral do Brasil. Quando regressou à Europa, escreveu um livro descrevendo sua viagem que se tornou um 'best seller'. Suas descrições referentes a um vasto litoral não deixavam dúvidas de que se tratava de um novo continente. Foi um mapa criado em 1507 pelo franco-alemão Martin Waldseemuller o primeiro a ter representado o novo continente já batizando-o com o nome de América, em alusão às desrições de Vespúcio.
Por isso há todo um significado e uma importância especial em existir um relato escrito por volta de 1340 fazendo referência a terras mais a oeste com temperatura mais amena do que as gélidas existentes no Mar do Norte. E é muito relevante que tão antes do que é contado pela história tradicional haja um relato assim na região do Mediterrâneo, sendo uma forte evidência de circulação precoce, fora da área nórdica, de informações sobre terras a oeste da Groenlândia. Ninguém na Europa no Século XIV tinha consciência de que tais terras formavam um outro continente inteiro, e o relato em Cronica Universalis em nada muda isto. Este não é o fator mais relevante - embora certamente será o gancho principal para as notícias sensacionalistas em torno do texto de 1340 - pois não havia qualquer conhecimento em 1340 de que Markland, ou Marckalada, fazia parte de um enorme continente.
O ponto é que o testemunho de Galvaneus Flamma é valioso para se obter informações sobre fatos contemporâneos milaneses, dos quais ele tem conhecimento de primeira mão. Quando Galvaneus lida com o passado ou com contextos não milaneses, ele reúne informações de diferentes fontes sem julgamento crítico. É muito difícil estimar que espécie de rumores circularam pelo Mar Mediterrâneo entre os ricos centros econômicos de Gênova, Florença e Milão entre 1340 e 1492, quando os avanços tecnológicos a respeito da navegação oceânica haviam germinado na Península Ibéria, nos reinos de Portugal e da Espanha.
O escritor também é ciente das noções científicas medievais sobre zonas climáticas e interessa-se em desenvolver em "Cronica Universalis" discussões teóricas sobre a habitabilidade de terras não temperadas. Ele considera ambas as terras - do sul e do norte - a fim de demonstrar que as pessoas também viviam ali. É neste contexto que ele menciona Marckalada: "[Nossas] autoridades dizem que, sob o Equador, existem montanhas muito altas, onde há assentamentos temperados, possibilitados pelos ventos, ou pela sombra das montanhas, ou pela notável espessura das paredes, ou por cavernas subterrâneas nos vales. No Equador, também existem muitas ilhas que são bem temperadas por causa dos rios, ou dos pântanos, ou dos ventos, ou por motivos que desconhecemos. E por uma razão semelhante, existem assentamentos abaixo ou ao redor do Polo Ártico, apesar do frio muito intenso. Esses assentamentos são tão temperados que as pessoas não podem morrer lá: este fato é bem conhecido na Irlanda. As razões pelas quais isso acontece são desconhecidas para nós. Marco Polo fala explicitamente sobre isso, quando diz que há um certo deserto de 40 dias onde nada cresce, nem trigo nem vinho, mas o povo vive da caça de pássaros e animais, e monta veados. Mais ao norte fica o oceano, um mar com muitas ilhas onde vive uma grande quantidade de falcões-peregrinos e gerifaltes. Essas ilhas estão localizadas tão ao norte que a estrela polar permanece atrás de você, em direção ao sul. Os marinheiros que frequentam os mares da Dinamarca e da Noruega dizem que ao norte, além da Noruega, fica a Islândia; mais adiante, há uma ilha chamada Groenlândia, onde a Estrela Polar permanece atrás de você, em direção ao sul. O governador desta ilha é um bispo. Nesta terra não há trigo, nem vinho, nem fruta; as pessoas vivem de leite, carne e peixe. Moram em casas subterrâneas e não se aventuram a falar alto ou a fazer barulho, por medo de que os animais selvagens as ouçam e as devorem. Lá vivem enormes ursos brancos, que nadam no mar e trazem marinheiros naufragados para a costa. Lá vivem falcões brancos capazes de grandes voos, que são enviados ao imperador de Katai. Mais a oeste, há outra terra, chamada Marckalada, onde vivem gigantes; neste terreno, existem edifícios com lajes de pedra tão grandes que ninguém poderia construí-los, exceto enormes gigantes. Também há árvores verdes, animais e uma grande quantidade de pássaros. No entanto, nenhum marinheiro foi capaz de saber algo com certeza sobre esta terra ou sobre suas características".
Por todos esses fatos, é claro que existem assentamentos no Polo Ártico. O primeiro argumento diz respeito a terras onde moram pessoas, apesar da suposta temperatura elevada. Sobre este ponto, Galvaneus deriva sua informação daqueles a quem, geralmente, chama de "auctores", isto é, à tradição geográfica passada à Idade Média desde a Antiguidade Tardia, representada por Solino e Isidoro, e mais recentemente por Bartolomeu da Inglaterra, Alberto Magno, Benzo de Alexandria, e outros.
No que diz respeito às terras do norte, a autoridade maior é Marco Polo, que é citado de forma explícita, especialmente a sua descrição das regiões ao norte de Karakorum, a cidade real dos mongóis. Relatamos a passagem correspondente na tradução latina (antes de 1320) do frade dominicano Francesco Pipino. Essa versão, muito difundida, parece ter sido a fonte direta de Galvaneus, que também era dominicano.
Mas uma parte de Cronica Universalis não depende de Marco Polo, nela Galvaneus afirma que "marinheiros que frequentam os mares da Dinamarca e da Noruega" fornecem informações sobre algumas terras do extremo norte: Yslandia e em seguida Groenlândia, cuja posição geográfica pode ser deduzida pelo uso do advérbio "inde" (ou seja, "além da Islândia na mesma direção") e que é descrita como o extremo norte, onde a estrela polar é deixada para trás.
Daí se supõe que os marinheiros sejam também a fonte da última passagem, dedicada a Marckalada, que se diz estar a oeste da Grolandia (Groenlândia). Ao contrário das informações sobre Yslandia e Grolandia (Groenlândia), as notícias sobre Marckalada são decididamente vagas. Há boatos, mas nada com certeza: "nec umquam fuit aliquis marinarius qui de ista terra nec de eius condictionibus aliquid scire potuerit pro certo"; ou seja, nenhum marinheiro nunca pôde saber nada de certo sobre esta terra ou as suas características.
As terras chamadas Yslandia e Grolandia não apresentam problemas de identificação, uma vez que são facilmente reconhecíveis como Islândia e Groenlândia. Quanto à terra mencionada Marckalada, ela não é especificamente definida "ínsula", como Galvaneus faz para a Groenlândia. Nenhuma outra terra parece poder ser levada em consideração, exceto Markland, mencionada em um número escasso de fontes medievais, todas provenientes da Islândia e, de fato, colocando-a ao sudoeste da Groenlândia.
A maioria das pequenas diferenças de ortografia entre Marckalada, de Galvaneus, e o islandês Markland, não representam um problema: é impossível saber se tais diferenças derivam das fontes de Galvaneus ou se deveriam ser atribuídas ao próprio Galvaneus ou ao copista do manuscrito. Como já dito, Ghioldi muitas vezes escreveu erroneamente nomes pessoais e geográficos com os quais não estava familiarizado, mas transcreveu fielmente seus modelos onde a formulação era simples.
Aparentemente este é o caso: o copista pode ter escrito errado o nome da terra, mas não há razão para pensar que ele modificou o resto da frase, um comportamento que seria incomum para ele. O único elemento da grafia que nos parece estranho é o grafema "ck", extremamente raro nos manuscritos italianos do Século XIV e único em toda a Cronica Universalis. O uso de -ck- implica uma pronúncia anômala (reforçada ou acentuada) do som gutural. É improvável que esse traço incomum e isolado seja uma criação de Galvaneus ou de Ghioldi, e a sua singularidade gera a suspeita de que dependa da persistência de uma fonte anterior.
Todas as fontes nórdicas medievais que mencionam Markland são bem conhecidas pelos estudiosos, que concordam em identificá-la como alguma parte da costa atlântica da América do Norte, onde islandeses e groenlandeses fizeram explorações e assentamentos marginais, como já foi demonstrado por evidências arqueológicas. Markland costuma ser geralmente considerada como sendo Labrador ou Terra Nova, ilhas Helluland, Baffin ou Labrador, Vinland, ou algum litoral mais ao sul.
A menção a Marckalada/Markland por Flamma é um novo testemunho sobre esta região a se somar aos poucos já conhecidos e herdados das Sagas Vikings. O que torna a passagem excepcional é a sua proveniência geográfica: não na região nórdica, como no caso das outras menções, mas no norte da Itália. A primeira referência ao continente americano, ainda que de forma embrionária, na zona do Mar Mediterrâneo. E voltando a entrar num campo especulativo é possível imaginar que tendo os rumores sobre tais terras sido suficientemente fortes para terem viajado toda a distância da costa nórdica até o Mediterrâneo, provavelmente tais rumores e conhecimentos estavam ainda mais presentes entre marinheiros da Grã-Bretanha, uma vez que Inglaterra, Escócia e Irlanda são geograficamente muito mais próximas a Islândia, Noruega, Finlândia, Suécia e Dinamarca, do que aos reinos situados no território que hoje forma a Itália.
Além da surpreendente referência a Markland, o conhecimento que Galvaneus mostra da Groenlândia também é notável. A esta terra, ele dedica outra passagem, onde ocorre a grafia alternativa "Gorlandia". Embora a cúria papal fosse ciente da existência da Groenlândia desde o Século XI, Galvaneus é o primeiro a dar algumas informações sobre suas características na área italiana e, de forma mais geral, em uma obra latina "científica" e enciclopédica, como é o propósito de Cronica Universalis. De onde Galvaneus consegue as suas informações sobre o norte, tão incomum para um estudioso que, até onde se sabe, nunca saiu do norte da Itália? Uma hipótese pode ser formulada levando em consideração o método usual de trabalho dele, as fontes que sabemos que ele tinha à disposição e o meio em que viveu. Galvaneus foi um escritor que se preocupou em indicar as suas fontes.
Logo no início de Cronica Universalis (e de suas outras obras historiográficas), ele fornece uma lista "bibliográfica" dos livros que explorou para montar seu tratado, declarando também a biblioteca milanesa onde consultou cada um deles. Além disto, indica escrupulosamente a fonte de cada informação relatada na crônica, citando o nome de cada autor dentro do texto e sublinhando-o, de modo que há páginas de suas obras onde encontramos dezenas de referências bibliográficas. Curiosamente, para os itens relativos à Marckalada e à Groenlândia, Galvaneus refere-se apenas a alguns "auctores" genéricos (para a discussão inespecífica sobre habitabilidade) e a Marco Polo, de quem, como já dito, ele extrai informações parciais e superficiais.
Galvaneus obteve certamente conhecimento sobre Marckalada por relatos orais, pois se ele tivesse alguma fonte escrita à sua disposição, certamente teria declarado (como costumava fazer) na "lista bibliográfica" de Cronica Universalis, o que não o fez. Compatível com as fontes orais é também a fusão de elementos extraídos de várias histórias - lendárias ou reais - pertencentes a tradições anteriores em diferentes terras, misturados e reatribuídos a um lugar específico. Além disso, Galvaneus identifica sua origem como junto a marinheiros ("marinarii qui conversantur in mari Datie et Norvegye"). Sujeitos alternativos, como peregrinos nórdicos ou clérigos de passagem por Milão a caminho de Roma para ver o papa, não podem ser obviamente excluídos, mas é uma hipótese que não corresponde à especificação de Galvaneus, pois ele não fala de peregrinos ou mesmo de clérigos em nenhuma parte da Cronica Universalis, e nem cita documentos eclesiásticos relacionados à Islândia ou à Groelândia, embora tais qualificações ou documentos teriam dado mais força ao depoimento.
Os detalhes que ele relata são consistentes com os interesses e preocupações dos marinheiros: a posição da Estrela Polar visível ao sul, a menção singular de ursos brancos trazendo marinheiros naufragados para terra, o comércio de aves de rapina, que era muito lucrativo na época, a dificuldade de chegar aos groenlandeses por causa de ondas de tempestade que danificavam os navios, tornando-os impossíveis de serem usados em uma viagem posterior. São muitas referências. Por outro lado, Galvaneus afirma explicitamente que usa uma fonte oral: embora sua descrição do Extremo Oriente se baseie em relatos escritos - em particular dos de Marco Polo, Odorico de Pordenone e João de Montecorvino - ele também relata as informações coletadas de algum Frei Simão, um dominicano que passou cinco anos nestas regiões. Ele afirma que o testemunho de "Frater Symon" é oral (dicit, narrat, habui ex ore) mas, no entanto, considerado digno de menção, mesmo em um contexto erudito como o de Cronica Universalis.
Onde Galvaneus pode ter ouvido, direta ou indiretamente, sobre a experiência dos marinheiros? Ele morava em Milão, uma cidade do interior, a qual não era exatamente um destino comum e habitual para marinheiros. A suposição então é de que ele esteja relatando informações em primeira ou segunda mão vindas de Gênova, o porto marítimo mais próximo de Milão, o principal porto e principal centro econômico no Mar Mediterrâneo naquela época. De fato, na Cronica universalis Galvaneus também mostra familiaridade com Gênova e com fontes genovesas em outros casos. Os genoveses eram de fato os grandes marinheiros por excelência para o público milanês do escritor. Uma derivação imediata de marinheiros nórdicos parece menos provável: não há evidências de viagens ou contatos dele no norte da Europa, nem vestígios de que ele tenha utilizado fontes escritas ou orais dessa proveniência direta.
O comércio entre estas regiões existia, e as informações viajavam tanto quanto as mercadorias. O tratado geográfico de al-Maghribi, escrito em algum momento entre 1250 e 1270, é uma evidência por escrito do comércio de falcões e ursos brancos que existia a partir do norte da Europa em direção ao Mar Mediterrâneo. Supõe-se que a "ilha dos falcões brancos" seja a Islândia, conhecida pelos geógrafos árabes e representada, por exemplo, no mapa mundial de al-Idrisi, sem indicar a nacionalidade dos mercadores que levaram tais pássaros ao Sultão do Egito. É difícil pensar que os genoveses negligenciaram totalmente um comércio tão lucrativo, embora não haja evidências históricas concretas que o comprovem. As notícias de Galvaneus sobre Marckalada, assim como as da menos evanescente Groenlândia, permanecem isoladas, sem que haja vestígios de uma recepção precoce, seja nos tratados geográficos latinos, seja na cartografia mediterrânea.
Sem fontes definitivas, o que se pode supor é que os gráficos e mapas não desdenham o uso de noções coletadas de fontes orais, como fazem os viajantes e comerciantes, sugerindo um cenário de informalidade: os genoveses estavam interessados em explorar os "rumores dos marinheiros" sobre as terras do extremo noroeste para eventual benefício comercial, mas esses rumores eram muito vagos para encontrar consistência em representações cartográficas ou acadêmicas. Apesar da sua posição isolada, e independentemente dos pressupostos que se possam fazer sobre a sua proveniência, a narrativa de Galvaneus testemunha a circulação de conhecimento geográfico entre o mundo nórdico e o Mediterrâneo na primeira metade do Século XIV, e traz evidências inéditas para as especulações de que notícias sobre o continente americano, oriundas de fontes nórdicas, circularam na Itália um século e meio antes de Cristóvão Colombo zarpar do porto espanhol em 1492.
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